Sobre história e literatura
22 de março de 2022Sobre história e literatura por Prof. Delzymar Dias
Texto extraído da coluna Funes do Jornal a União publicado na data de 19/03/2021 .
Sempre fui apaixonado por histórias e decidi, ainda no Ensino Médio, que queria ser professor nessa área. Descobri aos poucos a aproximação cada vez mais constante entre aquilo que escolhi como paixão e a literatura como forma de encantamento das coisas e do mundo. Eu me questiono e me reinvento constantemente para que minhas aulas não sejam meros exercícios mecânicos.
Como falar sobre o nazismo e o holocausto sem que a aula pareça algo engessado ou um mero esquema que pode cair no vestibular? Como falar sobre o genocídio de mais de 6 milhões de pessoas sem transmitir que isso não pode ser considerado normal no processo histórico? Como não pensar na dor e no sofrimento daquelas pessoas e atuar no sentido de contribuir para que essa realidade não volte a acontecer?
A história muitas vezes é ineficiente nesse sentido, chegando a relativizar determinados temas, não por conveniência ou concordância involuntária, mas por padecer de uma rotina didática que exige do professor o encaminhamento de exercícios retóricos e redundantes. Me parece estranho falar sobre o genocídio de 6 milhões de pessoas e em seguida fazer exercícios de múltipla escolha.
A literatura consegue ser infinitamente mais tocante nesse sentido. A história, enquanto disciplina em sala de aula, muitas vezes não consegue causar tanta empatia ao falar sobre assuntos delicados, enquanto a literatura consegue fazer de apenas uma morte, algo extraordinariamente envolvente, como é o caso de Ismália, poema escrito por Alphonsos de Guimarães, no qual a aventura final da protagonista se torna um evento tão grande que o leitor se perde na busca entre aquilo que é real ou imaginário.
A Rosa de Hiroshima, texto do poeta Vinicius de Morais, musicado de maneira magistral na voz de Ney Matogrosso, consegue ter um efeito didático devastador, muito mais forte do que uma aula tradicional e conservadora, contendo apenas esquemas e resumos. Navio Negreiro, do poeta baiano Castro Alves é o mais perfeito relato sobre a transferência dos africanos que seriam escravizados em nosso território colonial e, posteriormente, imperial.
“As aproximações entre literatura e história, enquanto possibilidades de trabalho interdisciplinar, são recheadas de opções, caminhos e abordagens”
Pode ser usado como a grande porta para iniciar qualquer discussão sobre a escravidão e o tráfico negreiro em sala de aula. Paulo Autran, um dos grandes nomes da teledramaturgia brasileira, colocou sua voz nos versos de Navio Negreiro e dificilmente, ao escutá-lo, você conseguirá segurar as lágrimas. As aproximações entre literatura e história, enquanto possibilidades de trabalho interdisciplinar, são recheadas de opções, caminhos e abordagens. Vai desde o início da história do Brasil com a carta de Pero Vaz de Caminha e os sermões do Padre Antônio Vieira até a literatura marginal contemporânea, composta por escritores que moram nas periferias das cidades, usando sua escrita para romper com o elitismo literário e fincar posições no âmbito das denúncias sociais baseadas em um processo de marginalização e a necessidade da ocupação de espaços urbanos.
Uma das primeiras pessoas que me fizeram olhar de uma maneira mais atenciosa para essa relação foi o professor Durval Muniz de Albuquerque Júnior. Autor de A invenção do Nordeste, conseguiu durante um encontro de História Regional fazer com que as pessoas presentes ao evento ficassem encantadas com as possibilidades pedagógicas dessa relação. Até hoje, continua sendo uma referência nessa área, vendo sua obra clássica ganhar os palcos do Brasil em uma adaptação teatral fantástica do grupo potiguar Carmim, com direção de Quitéria Kelly.
Em tempos de tantas discussões políticas e ideológicas, a literatura nos ajuda a entender esses embates entre as diversas correntes políticas que se apresentam. Recomendo a leitura de Ultimatum, de Álvaro de Campos. (…) E o mundo quer a inteligência nova / A sensibilidade nova / O mundo tem sede de que se crie / Porque aí está apodrecer a vida / Quando muito é estrume para o futuro / O que aí está não pode durar / Porque não é nada.