Ritmos, vivências e práticas escravistas no Sertão paraibano
23 de março de 2022Ritmos, vivências e práticas escravistas no Sertão paraibano por Wlisses Estrela de A. Abreu.
Texto extraído da coluna Funes do Jornal a União publicado na data de 14/01/2022 .
No Sertão do Rio do Peixe da segunda metade dos oitocentos, percebemos um ritmo escravista envolvido numa intensa mobilidade e dispersão, algo que pode ser explicado pelas próprias conformações espaciais, sociais e econômicas, dada a existência de ricos proprietários que detinham grandes faixas de terra e várias outras fazendas espalhadas pelo território mencionado ou em outras províncias.
Eram estes senhores os possuidores de um maior contingente escravo, o qual poderia muito bem ser distribuído ao longo do ano a fim de trabalhar nestas outras propriedades. Este ritmo de mobilidade e dispersão nos faz ver o escravo num constante movimento, e em alguns momentos, em isolamento, visto as distâncias que existiam entre uma fazenda e outra.
Podemos ainda reforçar que o escravizado, além de se movimentar de uma propriedade para outra, estaria também movimentando outro bem de valor para o senhor: o gado. Nesse sentido, o escravizado-vaqueiro teria certa “liberdade” de locomoção, pelas próprias exigências desse tipo de trabalho, sem falar que o bem em si – o animal – estaria sob os seus cuidados e a sua perda acarretaria um prejuízo econômico para o senhor.
Para que o escravizado chegasse a essa limitada, mas desejada “liberdade” de conduzir o gado, ele teria que “conquistar” a confiança de seu senhor. E, no Sertão, vários fatores positivos concorreram para que isso ocorresse. Em primeiro lugar, o trabalho com o gado não facilitava a constante vigilância de feitores em torno dos chamados escravizados-vaqueiros, devido principalmente às condições espaciais do Sertão, com imensos territórios por onde o gado era conduzido, em busca de alimento ou alguma fonte de água em períodos de seca.
Além dos ricos senhores proprietários escravistas, existiam também outros senhores de escravizados com menos condições, o que ficou evidenciado pelas suas casinhas de taipa que não expressavam luxo, pelo contrário, denotavam uma aparente situação de pobreza e de luta pela sobrevivência. Estes espaços de taipa não possuíam segurança garantida para a manutenção do escravizado.
Muitas destas casinhas eram baixas, com paredes estreitas feitas de barro e pedaços finos de madeira. O chão também era de barro batido, portas só existiam uma na frente e outra nos fundos, as janelas também não eram muitas. Poucos eram os senhores que habitavam em casas grandes de tijolo ou de pedra. Eram estes os mais ricos e os detentores de mais terras e escravizados. Entretanto, parece-nos que seus escravizados também habitavam em casinhas de taipa, nas proximidades da casa grande, visto que somente em dois dos 259 inventários encontramos referências a senzalas propriamente ditas, uma localizada na Povoação de São João, na fazenda do Capitão Mor Domingos João Dantas Rothéa e a outra na fazenda Engenho Novo de propriedade do Major João Gonçalves Dantas. Analisando ainda a constituição da escravaria, conseguimos perceber que num grande número de fazendas poucos eram os escravos que estavam em idade produtiva, sendo a maioria composta por uma mulher adulta e crianças, provavelmente filhos desta.
Todas essas especificidades indicam que a precariedade econômica de muitos senhores e a restrição do acesso à mão de obra escrava pressionaram para uma utilização, em longo prazo, do trabalho escravo, o que veio a possibilitar um maior acesso à formação de famílias escravizadas. Neste caso, a família escravizada sertaneja seria uma conquista do escravizado, como também um meio dos senhores em investirem nos seus futuros trabalhadores escravizados.
No Sertão do Rio do Peixe encontramos muitos desses escravizado. Era como se existisse uma hereditariedade escravizada nas fazendas, perceptível a partir das famílias escravizadas.