Quem arrancou a botija de João Capuxu? (2)
9 de novembro de 2022Quem arrancou a botija de João Capuxu?(2) por Jerdivan Nóbrega de Araújo.
Texto extraído da coluna Funes do Jornal a União publicado na data de 21/10/2022.
Passados alguns dias, nós contamos a história da botija a Mané Dourado e João Fagundes, que eram metidos a corajosos. Fagundes dizia que a coisa mais comum era ele ver alma andando dentro da cadeia velha, onde era carcereiro. “Só me aparece almas de preso liso, que não tem nada pra oferecer”, dizia. Já Mané Dourado falava que se encontrasse uma alma, sairia nos tapas com ela.
Fizemos da mesma forma: fomos até a movelaria com Mané Dourado para mostrar o local a ser cavado. Só que na noite marcada, Filemon e eu ficamos na coluna da hora e os dois seguiram para fazer o serviço. Passada meia hora, lá vêm os dois se maldizendo da vida e falando que nunca mais pisavam na Rua Estreita. Eles começaram a cavar a botija, quando um pacote de farinha de trigo veio do nada e caiu no meio dos dois. João Fagundes mandou que a “alma safada fosse se lascar para lá” e continuou a cavar, enquanto Manoel Dourado segurava a lamparina. De repente, uma das máquinas da movelaria ligou sozinha, mas eles continuaram a cavar.
Mané Dourado, sentindo um chute nas costas, pegou um pedaço de pau e disse: “Se você vier, vai apanhar tanto que vai voltar para o inferno de onde nunca devia ter saído”. Foi aí que eles notaram que haviam tocado em alguma coisa. Abriram e viram que era um pote de barro cheio de carvão. Você sabia que antes de chegar à botija tem um sinal? O dono da botija coloca esse sinal para saber que enterrou naquele lugar, ou para enganar os escavadores que, encontrando o sinal, desistem, achando que o ouro virou carvão, pedra, roupas velhas, cal, ou seja lá o que ele colocou, e vão embora decepcionados.
Mas não se engane: o ouro está mais embaixo. João Fagundes sabia dessa artimanha e continuou a cavar. Foi aí que apareceu um bando de cachorros, cada um mais feio que o outro. Tinha um com duas cabeças, foi o que ele disse. Os cães partiram para cima dos dois, com dentes afiados e espumando como doidos. Mané Dourado gritou “Chico, farinha de trigo e chute na bunda dá para aguentar, mas, cachorros doidos, não!” O desespero dos dois foi grande. No meio da correria, Mané Dourado olhou para trás e viu que, até a esquina do Bar Junqueira, ainda tinha cachorro nos seus calcanhares.
No dia seguinte, quando a movelaria abriu, estava lá o buraco: alguém terminou o serviço e levou a botija. O pior é que Chico de Ernesto espalhou o boato de que Filemon e eu tínhamos arrancado e queria a parte dele. Que parte, ora? Foi preciso eu levá-lo na casa de Mané Dourado para que ele contasse o ocorrido na noite anterior.
Mas se alguém foi lá naquela mesma noite e arrancou, vocês souberam quem foi? perguntei. Dizem que foi Frederico Roque. Ele viu o rebuliço nas duas noites anteriores e desconfiou. Ele morava em uma casa que tinha vista para o portão dos fundos da movelaria. Foi lá e cavou o resto que faltava e levou a botija para casa. Mas isso pode ser só boato. Não tem como dizer com certeza. Certo é que no outro dia ele foi embora da cidade. Você sabe, né? Quem arranca uma botija tem que sair da cidade, do contrário, o ouro desaparece no vento feito pó. Não posso afirmar que foi ele, mas que foi estranho, isso foi.
Assim, seu Meira concluiu umadas suas histórias de arrancador frustrado de botija. Dias depois, eu me encontrei com meu tio, Filemon, e ele confirmou a história e ainda me contou de outra botija, que ele tentou arrancar no pé de uma enorme canafístula que dividia as terras de Ana Benigno, minha bisavó, e as terras de Seu Olinto, na outra banda. Ele contou que foi arrancar durante a luz do dia e, por isso, não teve êxito.
Mesmo com essa história de ouroe botija, o que eu queria, agora, eraapenas um banho no rio, o som deviolão, a sombra da oiticica e asmãos cheias de cajás.