Patos: a capital do Sertão e da cultura
9 de novembro de 2022Patos: a capital do Sertão e da cultura por Delzymar Dias.
Texto extraído da coluna Funes do Jornal a União publicado na data de 04/11/2022.
Uma cidade é formada pelo seu povo. Não é a classe política ou as instituições que ditam os regramentos do cotidiano artístico, cultural ou educativo. A arte sobrepõe qualquer forma de poder. É através dela que personagens populares ganham a história e conquistam um espaço permanente no imaginário do seu povo. Precisamos ir além das datas e dos coronéis. O escritor Alessandro Portelli fala sobre a necessidade de ouvir aqueles que não foram ouvidos, as pessoas comuns, os trabalhadores, os pobres e os marginalizados.
Nossa cultura é vista, aplaudida e admirada em todo o Brasil. Silvino Pirauá é maior do que qualquer coronel. Patoense nascido em 1848, ele foi um dos primeiros brasileiros a usar a sextilha no cordel. Apesar de não ter tido condições financeiras para frequentar a escola, ficou conhecido como o poeta “enciclopédico”. Em parceria com Leandro Gomes Barros, criou os folhetos de cordel.
O patoense Allyrio Meira Wanderley é uma daquelas figuras que só nascem de tempos em tempos. Escritor,conferencista, tradutor, crítico literário, romancista, teatrólogo, jornalista e poeta, Allyrio transitou brilhantemente em diversas áreas. Conheci seu trabalho através do saudoso amigo Mário Gregório, que foi um grande pesquisador de sua obra, chegando a publicar vários trabalhos a partir da leitura do romance Bolsos Vazios. Allyrio foi perseguido durante o governo Vargas. O motivo do processo foram as teses publicadas no livro As Bases do Separatismo, em que ele defendia a separação e a autonomia das regiões do Brasil. Uma obra de impacto sociológico que mexe com as estruturas do estado Varguista que buscava a unidade política em meio às transformações políticas e sociais que ocorriam ao redor do mundo.
Patos também é terra de Paulo Bonavides, conhecido como o “Constitucionalista do Século”. Professor de gerações com forte influência no pensamento jurídico brasileiro, é estudado em várias universidades do mundo, tornando-se um jurista essencial não apenas entre aqueles que frequentam os cursos jurídicos, mas em todos aqueles que acreditam na democracia e em uma constituição radicalmente participativa, plural e democrática. Em vida, recebeu um reconhecimento público que não é comum. O Conselho Científico da Universidade de Coimbra, em Portugal, uma das mais respeitadas do mundo, escreveu uma moção que trata Bonavides como “príncipe dos constitucionalistas de língua portuguesa e cidadão apaixonadamente dedicado à defesa das virtudes cívicas”.
O poeta, jornalista, cronista e ensaísta Tarcísio Meira César é outro exemplo de como a nossa cidade é terra de grandes escritores. A poesia de Tarcísio era impactante e a qualidade do seu trabalho rendeu elogios de nomes como Jorge Amado, Otto Lara Resende, Ivan Lins, Gilberto Freyre e José Américo de Almeida, que escreveu sobre o amigo dizendo: “Você extrai do vulgar uma novidade oculta que mais parece uma invenção, por ser atrativo. Eu estavacom o propósito de nunca mais escrever a palavra ‘telúrico’, mas você é telúrico”. Tarcísio é uma figura que precisaser mais conhecida em sua terra.
Wilson Figueiredo é outra figura de nosso universo cultural que merece ser citado. Artista plástico, pintor, escultor e desenhista, possui obras espalhadas pelo Brasil inteiro. Premiado no Brasil e no exterior, Wilson recebeu em 2015 o título de Chevalier Académicien da Mondial Art Academia da França e continua ativo no cenário cultural com o seu estilo próprio e inconfundível. E o talento absurdo de Shiko? Francisco José Souto Leite é ilustrador, grafiteiro, roteirista e quadrinista. Seus trabalhos causam um impacto visual tão forte que faz com que o observador percorra o trabalho como quem busca uma continuidade para além daquilo que foi desenhado. São diversos trabalhos internacionais e vários prêmios nacionais, a exemplo do Troféu HQMix e do Prêmio Angelo Agostini.
Esse texto é apenas uma pontinha sobre os nossos talentos. Ele terá continuidade em outros textos que irão abordar dezenas de outras figuras da cultura patoense que poderiam ter sido citadas por aqui e não foram por questões de espaço. Nada no universo da escrita é definitivo e o ponto final é meramente simbólico. Ainda temosmuito trabalho pela frente. Precisamos publicar as obras de Tarcísio Meira César e reunir os textos que estão espalhados em jornais e revistas do Brasil inteiro. Precisamos reverberar sobre Silvino Pirauá nas escolas e academias literárias. Precisamos fincar em nosso solo uma obra do querido Wilson Figueiredo, já que não me parece lógico apreciar suas esculturas apenas na capital. A cidade de Patos precisa se reencontrar com a sua arte e, principalmente, com os seus artistas. A morte do nosso Derréis deveria ampliar esse debate sobre a forma com que tratamos os nossos talentos.