O homicídio que marcou para sempre a cidade de Conceição

17 de abril de 2023 Off Por funes

O homicídio que marcou para sempre a cidade de Conceição por Silvio Darlan .

Texto extraído da coluna Funes do Jornal a União publicado na data de 14/04/2023.

A cidade de Conceição, no Alto Sertão da Paraíba, talvez seja a mais icônica e emblemática povoação do nosso estado. Berço de grandes nomes na política, na música e nas artes, foi por muito tempo envolta de grandes episódios de violência que, ao longo do tempo, se transformaram num lendário popular.

No lendário
popular do
município
sertanejo,
um suposto
assassinato
de um padre
teria ocorrido
na Igreja de
Nossa Senhora
da Conceição

Durante a minha infância, ouvia atentamente vários relatos que foram reproduzidos secularmente por gerações e que, diante de tamanha curiosidade em conhecer a história e o passado, muitas vezes sanguinário da minha cidade, me debrucei em algumas pesquisas, o que ouvia quase sempre estava relacionado a especulações, mas nada documental.

Foram vários anos de pesquisa na tentativa de encontrar algum registro concreto sobre esses fatídicos episódios, o que me deixava mais intrigado era a forma como era contado, sempre envolta de um místico, e até certo ponto de medo. Por inúmeras vezes parava durante a noite em frente à Igreja Matriz e fica deslumbrado com tantos relatos de violência, e álibi de vingança que foi uma característica bastante pontual durante muitos anos. No lendário popular sempre foi contado um suposto assassinato ocorrido no início da história do município, em que um padre teria sido supostamente morto na Igreja de Nossa Senhora da Conceição. Neste lendário popular contava-se que iria acontecer uma grande chuva para “lavar” o sangue do padre.

A única fonte que registrava esse sinistro foi feito pelo padre Manoel Otaviano, em um livro publicado originalmente da década de 1950. Cumpre destacar que padre Manoel, viveu e exerceu seu ministério sacerdotal muitos anos após o acontecido, e que na época Conceição pertencia administrativamente a cidade de Misericórdia, hoje chamada de Itaporanga.

Estamos falando de uma Conceição extremamente primitiva, um pequeno vilarejo que se organizava para iniciar um processo de emancipação política, e que é surpreendido com um crime sem precedentes, que abalou toda a província. As relações intrínsecas entre Igreja e estado mostravam um efetivo poder que a Igreja Católica detinha, um crime desta natureza, contra um membro do clero era algo estarrecedor.

Os dados utilizados para trazer ao conhecimento público foram extraídos do periódico que circulava na capital, chamado O Publicador, de propriedade de José Rodrigues da Costa e que diariamente na chamada Parte Oficial, eram publicados os expedientes do governo da província, bem como outros despachos. Portanto, uma fonte oficial, que tornou público o inquérito instaurado na época para investigar e inquirir o acusado, que no curso da oitiva, confessou e explicou os motivos que levou ao homicídio de Joaquim Jurcelino Veriato Formiga, ou simplesmente, Padre Formiga, coadjutor da freguesia de Nossa Senhora da Conceição, termo de Misericórdia.

O crime ocorreu em uma residência nas adjacências da Igreja, e, como consta nos registros, pertencia ao Sr. Galdino José de Sant´Anna. O acusado, ao ser inquirido pelo juiz municipal suplente, José Severino da Silva, confessou que desferiu 28 punhaladas, caindo por terra o padre Joaquim Jurcelino Veriato Formiga. Após o ocorrido, o assassino tentou fugir, sendo preso a sete léguas da sede do distrito de Conceição. Sebastião Gomes de Sousa, vulgo “Bembem”, era natural de Pernambuco, da comarca de Pajeú de Flores, contava na época 31 para 32 anos de idade, ele era casado, e no inquérito foi apresentado como filho do finado José Gomes dos Réis, também de Flores (PE) e trabalhava como agricultor.

Várias foram as nuances que envolveram esse episódio que mais parece um roteiro cinematográfico vivido naquele século. No relado do próprio réu, ele não deixa claro a incidência de qualquer fato que pudesse atribuir ao padre, afirmando apenas suspeitar que Formiga pudesse faltar com a honra dele, da família e de todo o povo, uma clara referência a vida pessoal do religioso. O corpo do padre Formiga foi sepultado na antiga Igreja de Itaporanga (PB), deixando a cidade de Conceição marcada para sempre, um crime que abalou a província e durante anos despertou a curiosidade e o imaginário popular. Sobre a fala atribuída ao padre antes de morrer, sobre a mancha do seu sangue e como ela seria “lavada”, isso eu não posso afirmar, o que posso dizer de certo é que essa cidade ainda guarda muitos segredos que talvez o tempo ou algum curioso pesquisador possa revelar.