NOVAS FORMAS DE QUEIMAR LIVROS

11 de setembro de 2023 Off Por funes

NOVAS FORMAS DE QUEIMAR LIVROS  por Delzymar Dias.

Texto extraído da coluna Funes do Jornal a União publicado na data de 15/09/2023.

Um dos casos mais emblemáticos sobre a queima de livros ao longo da história ocorreu na Alemanha nazista na primeira metade do século XX. Essa tentativa de “limpeza” na literatura ocorreu em 1933 e deixou amontoados de cinzas em diversas praças de Berlim. O alvo dessa violência era qualquer autor ou conteúdo que não estivesse de acordo com a base do pensamento nazista. A produção cultural passou a ser controlada pela Câmara de Cultura do Reich.

Na mesma década, só que aqui no Brasil, Getúlio Vargas buscava uma forma de continuar no poder e acho uma maneira de plantar uma semente de medo ao manipular informações sobre o Plano Cohen, uma invenção que versava sobre uma ameaça iminente de golpe comunista no Brasil. Esse pânico moral proposital levou também a levantes irracionais como perseguição de opositores políticos e queimas públicas de livros. Na Bahia, autores como Jorge Amado e o Paraibano José Lins do Rego, tiveram obras queimadas publicamente pela abordagem social presente em Capitães de Areia e Menino de Engenho. A queima das obras foi articulada por militares e membros da comissão de buscas e apreensões de livros, sim, existia uma comissão encarregada de tal feito. Quase dois mil livros foram queimados e o pânico moral continua existindo, mesmo na chamada era da informação.

O poeta alemão Heine, ao dizer que aqueles que começarem a queimar livros, logo acabarão queimando pessoas, antevê uma situação óbvia, já que a queima ou restrição de acesso a qualquer material gera um clima de ódio para com o escritor daquele material. Recentemente, o escritor brasileiro Jeferson Tenório, vencedor do Prêmio Jabuti de literatura (2021) foi impedido de ministrar uma palestra presencial em uma escola na Bahia por conta de ameaças de morte recebidas em uma rede social. O ódio e as ameaças fazem referências ao livro “O avesso da pele”, obra que tem como pano de fundo a violência racial.

Nos EUA, apenas em 2022, quase três mil livros foram objeto de censura. Toni Morrison, a primeira escritora negra dos EUA a ganhar o Nobel de literatura com “O olho mais azul”, vem sendo censurada em diversos estados. Entidades de defesa dos escritores e da liberdade de expressão denunciam que foram banidas das escolas até biografias de personalidades como Nelson Mandela, Rosa Parks e Luther King. O escritor britânico Salman Rushdie foi atacado em 2022 durante uma palestra em Nova York, sofreu dez facadas, perdendo a visão de um olho e o movimento de uma das mãos.

Estamos presenciando formas modernas de queimar livros. Em São Paulo, o governo anunciou uma política atrapalhada para o fim dos livros impressos a partir de 2024, com a adoção de material 100% digital. Os alunos teriam acesso a slides com conteúdos resumidos, já que o governo não aderiu ao Programa Nacional de Livro Didático (PNLD), uma das maiores políticas públicas educacionais e culturais do Brasil. Os erros nesses slides são bizarros. Para os alunos dos anos finais do ensino fundamental, os slides mostram que a assinatura da Lei Áurea foi realizada por Dom Pedro II (foi a Princesa Regente, Isabel) e que Jânio Quadros proibiu o uso de biquínis nas praias quando era Prefeito de São Paulo (a medida foi adotada quando o mesmo era presidente da república).

O PLS 193/2016 tentava emplacar a criminalização da atividade docente através do controle de materiais didáticos e paradidáticos nas escolas, impedindo a discussão de qualquer tema que fosse de encontro às teses conservadoras. Nesse sentido, deixariamos de ter uma educação plural, base de todo o processo educativo.

As novas formas de queimar livros passam pela censura, pelo policiamento de atividades acadêmicas, invasões de universidades, criminalização dos docentes, fim do acesso a livros impressos, ameaças a escritores e produtores culturais e, acima de tudo, pela perseguição sistemática a todos e todas que, de alguma forma, buscam uma sociedade mais humana, justa e pautada pela diversidade.