Manoel Valadares: de vaqueiro a sanfoneiro

Manoel Valadares: de vaqueiro a sanfoneiro

1 de julho de 2022 Off Por funes

Manoel Valadares: de vaqueiro a sanfoneiro por Damião Lucena.

Texto extraído da coluna Funes do Jornal a União publicado na data de 24/06/2022.

 

Manoel Augusto de Assis nasceu em 16 de março de 1936, na fazenda Carnaubinha, propriedade de Manoel Lino da Nóbrega, área rural do atual município de Santa Luzia (PB), como filho de Luiz Gonzaga de Assis e Dionízia Leonizia de Assis, tendo como irmãos: Severino, José, Luzia, Benedito e Maria. Aos 13 anos começou a se destacar em corridas de cavalo, ao ponto de despertar o interesse de agropecuaristas sertanejos, amantes do referido esporte. Em 1951, aceitando o convite de Nabor Wanderley, Dr. Lauro Queiroz  e Antônio Murilo, foi residir na fazenda Maria Paz, em São José de Espinharas, paralelo às atividades que desenvolvia nas baias do bairro do Frango, em Patos, onde participava dos prados, geralmente com resultados positivos, época em que a pista principal ficava localizada no espaço que daria lugar ao bairro das Sete Casas. Relembrava as memoráveis competições, nas tardes de domingo que atraia grande número de expectadores.

Em 1952, o coronel Bolivar o levou para o Jockey Club do Recife e de lá para Pesqueira, onde venceu um dos páreos mais importantes do Estado de Pernambuco, época em que surgiu o convite para seguir ao Rio de Janeiro, condição de integrante do grupo de corredores do Jockey carioca, o que só não aconteceu por discordância de sua mãe.

Em 1954, acompanhou a família na transferência para a fazenda de Dr. Severino Araújo. Na época, participava dos forrós, onde contemplava os sanfoneiros e despertava o desejo de se tornar um deles. Após receber a visita de um grande agropecuarista do Rio Grande do Norte, mesmo com todos os apelos dos patrões da época, a família se transferiu para a fazenda Martins, do estado vizinho, entre Mossoró e Açu, levada pela promessa de melhores condições financeiras, onde permaneceria de 1957 e 1958. Tudo caminhava bem, mas, por conta de um incidente, tiveram que retornar, fugindo do que consideravam perigo, ocasião em que Manuel despertou o seu tino teatral, viajando de trem, com trajes e acessórios femininos para não ser notado. Enquanto lá esteve, conseguiu comprar sua primeira sanfona em Mossoró, na loja Paulo Irmão, no bairro Paraíba.

No retorno ao Sertão, a família fixou moradia nas fazendas Liberdade, de Silveira Dantas e Flores de Bossuet Wanderley. Em 24 de novembro de 1962, Manuel casou no Sítio Garrote, de Darcílio Wanderley, com Maria Eleotéria de Assis, união da qual nascera os filhos: Luiz Neto, Assis, José, João Bosco, Jucélio, Judivan e Marinês. De um segundo relacionamento: Paulo César, Francisca Mabel, além da gêmeas Francileide e Francilândia

Sua vida de sanfoneiro teve forte influência do irmão Benedito, que se tornou músico e ingressou na Filarmônica 26 de Julho na condição de tocador de pistão, paralelo a uma veia poética, que passou a utilizar nas campanhas eleitorais. Manoel, enquanto aumentava sua fama de vaqueiro, arranhava a velha sanfona. Começou a tocar de ouvido e, posteriormente, passou a receber do mano músico, instruções de acordes. A tendência poética também lhe aflorava, chegando a ser convidado para a formação da dupla familiar nas composições do pleito eleitoral de 1960. Benedito e Manoel passaram a ganhar destaque no Sertão da Paraíba. Não sabiam eles que, através da arte, garantiriam o futuro na contemplação de dois empregos públicos. Uma das estrofes da afamada composição de lançamento, interpretada pelo dueto dizia: “Eleitor amigo, você tem que decidir / Embora diga me dê um dinheiro aí / Vote em Jacó, Loty, Jango e Janduy / Agora vai, tem que ir / Vote com Jango vai, Janduy não cai, é governador / Jacó nossa vice-governança, a esperança do eleitor”. O nome artístico nasceu na Rádio Espinharas de Patos, por recomendação do seu diretor, o padre Joaquim de Assis Ferreira, época em que Manoel participava de um programa de forró, levado ao ar das 17h às 18h, sob comando de Nestor Gondim, que sempre o chamava pelo nome de batismo acrescentando “e seu regional”. Em determinado dia, acompanhando a apresentação in loco, o sacerdote indicou: “Troque esse Assis por Valadares e regional por Cabras da Peste”. Na justificativa brincou: Na minha família não tem escurinhos e a substituição lhe fará referência a um clã importante da política nacional. Com relação aos empregos, intermediados pelo deputado Zé Gayoso, Benedito foi para o IAP, mais tarde transformado em INPS. A Manoel Valadares fora oferecida uma função na Rede Ferroviária Federal, onde teria a missão de acionar as travas das locomotivas em manobra, correndo em cima dos vagões em sentido contrário aos seus movimentos. Acabou recusando, porém, com a inauguração da Maternidade Peregrino Filho, fora agraciado com um emprego de auxiliar de serviço que, mais tarde, mesmo sem habilitação, seria transformado em motorista.

Relembrando a campanha de Aderbal Martins para prefeito de Patos no início dos anos 1970, Valadares, já atuando em carreira solo, inspirado na discussão de três bêbados que votavam em candidatos diferentes, depois da passeata dos animais de Padre Levi, que assustou os adversários, fez uma de suas primorosas criações, que agradou em cheio ao governador Ernani Sátyro. Uma de suas estrofes: “Deixe Durval no Colégio e o Padre na Catedral / Em nossa prefeitura vamos botar Aderbal / Passeata de jumento não ganha eleição aqui / E o xexéu beliscou a goiaba de Levi”.

No âmbito legislativo, não deixou de destacar a campanha de Edivaldo Motta para deputado estadual e Antônio Mariz para federal, que também caiu na graça dos candidatos e do povo que os elegeu: “Cuidado para não errar, 1226 é fácil de acertar / Eu vejo em todo o Estado, o povo dizer tô feliz / Estadual é com Edivaldo e Federal Antônio Mariz”.

 

aldo e Federal Antônio Mariz”. Valadares recusou o convite para disputar uma vaga de vereador, proposta feita por Ernani Sátyro, justificando sua decisão no fato de não ter sequer concluído a Carta de ABC, tendo frequentado o grupo escolar Coelho Lisboa, em sua terra natal, por apenas 13 dias. Chegava a ser questionado pela sua inteligência, enquanto referenciavam a condição de Chico Bocão, liderança analfabeta, mas não voltando atrás e mantendo a posição, se classificando como um verdadeiro papagaio que, segundo ele, só sabia de alguma coisa porque imitava os outros.

Na Campanha de Carlos Candeia, recebeu a missão de desmanchar mais uma música de Agamenon Show. Tratava-se de uma paródia: “Muita gente vivendo a sofrer / Com o preço cruel da Gasolina / O feijão, o arroz, a margarina / A pobreza não pode mais comer / Até mesmo nossa água pra beber / Quando vem a taxa é um horror / O governo loca o medidor / Pra roubar na porta da moradia / Gasolina, Cagepa e Energia faz o pobre gemer sem sentir dor”. Em resposta, apresentou sua versão durante comício ocorrido na rua 18 do Forte: “Oposição lá só fala em gasolina / Matéria prima que vem do Exterior / Botam culpa em nosso governador / Dizem que o petróleo sobe todo dia / Mas você sabe que um copo de água fria / para nós ele tem um grande valor / Quando a luz se apaga tem pavor / E quando acende eu fico satisfeito / Dr. Carlos vai ser nosso prefeito / E Olavão é o nosso senador. A chapa perdeu, mas a música pegou”

Com relação à vida de sanfoneiro, destaca, como um dos momentos mais importantes do início da carreira, o fato de ter vencido um festival, comandado por Arthur Dionísio, em frente às Casas Cebarros. Já o seu grupo musical, um dos mais solicitados para eventos, chegou ao ponto de adiar casamentos para adequação da agenda, teve a primeira formação com Tatinha (vocalista que empunhava um cavaquinho), Bosco Alencar (violonista que fazia vezes no baixo), Nego Chico na Batera, Dedé Catarina na Zabumba e Joãozinho Paturi no triângulo. Entre suas grandes apresentações, relembrava a inauguração do Yayu Clube de Santa Luzia, quando tocou ao lado do Trio Nordestino, além do São Pedro do Campestre. Também tomou parte da Festa do Milho e Forró do Minhocão.

No âmbito profissional, para complementar a renda familiar, chegou a ser funcionário de Zé Martins das Molas, relembrando que chegava a ser discriminado quando era procurado no estabelecimento para acerto de algum contrato e os pretendentes lhe viam tomado pelo óleo e a graxa do ofício. Em uma das hospedagens de Luiz Gonzaga no Hotel JK, em caminhada nas adjacências do prédio, o “Rei do Baião” se deparou com Manoel Valadares, que tomava umas e outras no Coreto da Praça Getúlio Vargas e mandava brasa com suas composições. Recebeu os maiores elogios e a impressão de que, continuando naquela direção, seguramente receberia o reconhecimento nacional.

Na aposentadoria, Manoel não deixou de ser sanfoneiro, compositor, cantor, motorista de viagens particulares e, teimoso, como relata a família: “Aos 86 anos, circulando pra cima e pra baixo em uma moto, em busca daquilo que não perdeu…”