José Siqueira, de Conceição do Piancó para o mundo
22 de março de 2022José Siqueira, de Conceição do Piancó para o mundo por Silvio Darlan
Texto extraído da coluna Funes do Jornal a União publicado na data de 30/04/2021 .
O Nordeste brasileiro traduz em sua essência a musicalidade quase que inerente às suas formações culturais, seu carro-chefe sempre foi o forró, baião, frevo e o coco, com suas vertentes e adaptações ocorridas ao longo dos anos.
Na última semana, foram exatos 36 anos da morte de um gênio da música, e não estou falando sobre o forró ou ritmos afins, trata-se da música erudita, e essa história começou aqui no Nordeste, no início do século passado, com o paraibano de Conceição do Piancó (PB), José de Lima Siqueira. O compositor e escritor pôde até passar despercebido por alguns no seu estado de origem, porém, a sua habilidade musical ultrapassou barreiras e saiu do nordeste, alcançando palcos e reconhecimento internacional.
Suas primeiras inspirações com a música surgiram ainda na sua infância, o seu pai era mestre de uma banda de sopros em Conceição(PB), cujo grupo se chamava Cordão Encarnado, e tocava em apresentações públicas na festa da padroeira da pequena cidade. Distante dos grandes centros e das grandes universidades de música do país, o ainda pequeno José Siqueira tinha pouco acesso a uma formação mais avançada e teve que deixar o Sertão.
Seguindo para o Rio de Janeiro em 1927, então capital da República Federativa do Brasil, como integrante das tropas que tinham sido recrutadas para combater a Coluna Prestes e logo ingressou na Banda Sinfônica da Escola Militar, como trompetista. Durante os anos 1928 e 1930 traça suas primeiras composições no antigo Instituto Nacional de Música, e formouse em Composição e Regência (1933) marcando o início de sua carreira como compositor e regente no Brasil. Seu trabalho ultrapassou as fronteiras do país, chegando a orquestras consagradas mundialmente como nos Estados Unidos, Canadá, França, Portugal, Itália, Holanda, Bélgica e Rússia, entre outros países. Regeu a Sinfônica de Filadélfia, Detroit, Rochester, nos Estados Unidos. Na França, regeu a Orchestre Radio -Symphonique, de Paris, e em Roma, a Sinfônica de Roma, entre outras. Foi professor da Escola de Música da Universidade do Brasil, hoje da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Fundou a Orquestra Sinfônica Brasileira (1940) e formou-se em Direito (1943).
Além de compositor consagrado, o Maestro José Siqueira exerceu papel fundamental na criação de órgãos ligados a cultura e a música, fundou a Orquestra Sinfônica do Rio de Janeiro (1949), fechada dois anos depois. Quando esteve em Paris (1953) frequentou o curso de musicologia da Sorbonne. Oficializou junto ao prefeito Miguel Arraes, a Orquestra Sinfônica do Recife, a mais antiga do país. Idealizou e criou a Ordem dos Músicos do Brasil, assumindo a sua presidência (1960). Fundou a Orquestra Sinfônica Nacional (1961) e da Orquestra de Câmara do Brasil (1967).
Figura incomparável do mundo cultural brasileiro, foi aposentado (1969) pela ditadura militar brasileira, considerado um subversivo e acusado de ligações com o Partido Comunista, foi duramente perseguido. Proibido de lecionar, gravar e reger, encontrou abrigo na extinta União Soviética, onde regeu a Orquestra Filarmônica de Moscou e participou como jurado de grandes concursos de música internacionais.
Também foi em Moscou que boa parte de sua obra foi editorada e preservada enquanto que no Brasil o governo militar perseguia, torturava e matava seus opositores. Deve-se a ele ainda a criação da Orquestra de Câmara do Brasil, Sociedade Artística Internacional, o Clube do Disco e a Ordem dos Músicos do Brasil. Seu trabalho não ficou somente na música, Siqueira teve a preocupação em levar para as linhas suas ideias, escreveu livros didáticos tais como Canto Dado em XIV Lições, Música para a Juventude (em quatro volumes), Sistema Trimodal Brasileiro, Curso de Instrumentação, entre outros. Morreu aos 78 anos, na cidade do Rio de Janeiro, no dia 22 de abril de 1985, deixando uma vastíssima obra composta de óperas, cantatas, concertos, oratórios, sinfonias e até a música de câmara, para instrumentos solos e para voz.
A cadeira nº 8 da Academia Brasileira de Música, fundada em 1945 por Heitor Villa-Lobos, nos moldes da Academia Francesa, foi alocada para ele como cofundador, depois que o efetivo da Academia se reduziu de 50 para 40 cadeiras. Seu nome foi dado à Grande Sala da Cidade da Música por decreto do então prefeito Cesar Maia, publicado no Diário Oficial do município (2008).
Seu legado perpassa o tempo e alcança novas gerações, figura reconhecida internacionalmente, defensor da cultura musical brasileira e responsável por iniciativas como a criação da Orquestra Sinfônica Brasileira da cidade do Rio de Janeiro, da Academia Brasileira de Música, da Ordem dos Músicos do Brasil e dos Concertos Para a Juventude. O seu acervo pessoal foi doado para a Biblioteca de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que catalogou, organizou e digitalizou as obras. Dessa forma a consulta a seu rico trabalho, fica ao alcance de todos.