Identidade cultural cigana em Patos (PB)
27 de maio de 2022Identidade cultural cigana em Patos (PB) por Caroline Leal Dantas.
Texto extraído da coluna Funes do Jornal a União publicado na data de 27/05/2022.
Os trabalhos sobre ciganos no Brasil e no mundo vêm crescendo nas últimas décadas e dessa forma, acrescentando ao campo de estudo desdobramentos relevantes para compreender sua cultura e as relações inter-étnicas, ainda que os cenários sejam diversos.
Seja no Brasil, Portugal, França, Espanha e demais países onde a população cigana é representativa, observa-se as mesmas lutas traçadas contra os estigmas e a exclusão social dos mesmos. Uma vez que esse quadro de perseguição tem uma longa estrada, mas aos poucos vem se reconfigurando, se faz necessário um aprofundamento nos estudos científicos, na produção acadêmica para que possam compor os materiais didáticos e livros de história, para que seja possível apreender de tais cenários.
Os ciganos estão no Brasil desde 1574, com a vinda da família cigana de João Torres. Por se tratar de povos com um dialeto próprio, mas ágrafos, muitos permaneceram sem documentos e sofriam perseguições por se tratar de uma cultura diferente, que causava um misto de encanto, curiosidade e estranheza, onde passavam.
A identidade cigana é em certa medida, sempre uma identidade coletiva contrastiva, ou seja, em contraste a sociedade envolvente, por exemplo. Para ilustrar como se configura essa identidade cultural cigana, elementos como a língua, a memória coletiva, o sangue e o nomadismo (ainda que não sejam elementos condicionantes, nem estáticos e figurem, muitas vezes, um “tempo de atrás”) sinalizam e revelam como se elabora a organização social desse grupo.
Para se adaptar às condições de mudança de vida, em um nomadismo muitas vezes compulsório, de acordo com a abertura ou perseguição que uma sociedade envolvente impunha, foi por muito uma tarefa árdua. Portanto, deve ser observado e respeitado o nomadismo daqueles que optam por permanecer em mobilidade, porque representa também uma especificidade sóciocultural, assim como deve-se respeitar e legitimar aos que optaram por fixar morada. Nenhum elemento cultural identitário é estático, eles são dinâmicos e respondem aos seus contextos históricos.
Em Patos não foi diferente, assentados desde meados de 1981, foi possível através dos diálogos traçados com a liderança cigana, o Sr. Severino (em memória), ao longo de 10 anos, apreender importantes chaves para o conhecimento dessa rica cultura, ainda pouco conhecida pela sociedade envolvente. Ele exteriorizava orgulhoso sua identidade cultural cigana, reforçava sempre os valores primordiais que destacava ser, em primeiro lugar, a família, onde herdou o seu saber, advindo da oralidade, destoando do saber “letrado” que para ele, em nada deixava a desejar. Outro valor que sempre reforçou foi a união, “onde se alimenta um, se alimenta todos”, dentre tantos outros valores.
São enfáticos ao recuperar sua condição étnica a partir do nascimento, pois é através do sangue que são legitimados, herdeiros de uma origem milenar onde foram designados a peregrinar pelo mundo, ainda que como acima mencionado, varie e muitos estejam assentados há décadas. Selando e reforçando um forte sentimento de pertença étnica a partir disso. A etnicidade, juntamente com classe, gênero e faixa etária, constitui um dos principais eixos de diferenciação social, política e cultural.
Com a reformulação da Constituição Federal de 1988, o Brasil avança e se reconhece enquanto um país pluriétnico e multicultural, com isso dá um importante passo para formulação de políticas públicas para atender a toda essa diversidade sócio cultural que compõe nosso país. No dia 24 de maio de 2006 foi instituído pelo então presidente Luís Inácio Lula da Silva, o Dia do Povo Cigano no país, que passou a vigorar no ano de 2007, configurando outro importante passo no reconhecimento e valorização da Cultura Cigana, garantindo que essa população começasse a participar da agenda pública, assim, integrando políticas públicas para atender temas como erradicação da pobreza, acesso à escola, a documentação, acesso à saúde, moradia etc como qualquer outro brasileiro ou brasileira, enquanto cidadãos de direito.
É preciso reconstruir espaços sociais e políticos que aceitem e reconheçam as diferenças cultuais como parte de um todo, sem que uma cultura tenha que se subordinar à outra. O chefe dos ciganos na cidade de Patos, por exemplo, foi por muitos anos chamado a ocupar dois papéis, que historicamente podem ter sido configurados como antagônicos, um enquanto chefe dos ciganos e ao mesmo tempo, enquanto investigador da polícia civil. Dialogar e prestar serviços diretamente com o estado e representar uma minoria étnica perseguida ou negligenciada pela mesma instituição foi por deveras uma tarefa desafiante, mas que não só pode, como foi bem exercida até o fim, com a aposentadoria.