Homens subterrâneos
24 de março de 2022Homens subterrâneos por José Aderivaldo da Nóbrega.
Texto extraído da coluna Funes do Jornal a União publicado na data de 28/01/2022.
A despeito de um cenário econômico em crise – o qual foi agravado pela pandemia – as atividades minerais seguem a pleno vapor e apresentando, no Brasil, grandes níveis de lucro. Conforme a própria Agência Nacional de Mineração (ANM), no primeiro trimestre de 2021, a produção mineral brasileira alcançou a cifra de R$ 68,7 bilhões de reais, o que significa um crescimento de 95% em relação ao 1º trimestre do ano de 2020, que chegou a R$ 35,1 bilhões.
Na Paraíba, em 2020, as operações declaradas de venda de minério giraram em torno dos 400 milhões de reais e, em 2021, ultrapassam os R$ 500 milhões. No Estado, a participação na balança comercial chega próximo dos 10%, com destaque para os minerais metálicos associados ao titânio e as rochas ornamentais. Acontece que, na mineração, riqueza e miséria coexistem e até se retroalimentam fortalecendo uma cadeia de desigualdade e de exclusão social. Na microrregião do Seridó, que compreende cerca de 15 municípios, o que significa cerca de 3% da população paraibana e 7,7% do território estadual, a atividade extrativa se concentra em minerais não metálicos extraídos para atender demanda nacional e com alguma inserção internacional, no caso das rochas.
Nessa área grandes grupos da indústria da construção civil do Brasil obtêm suas matérias-primas ao mesmo tempo em que os municípios têm baixos níveis de emprego formal e grandes problemas com a informalidade, a precariedade e com o desgaste ambiental promovido por atividades extrativas realizadas irregularmente ou sem planejamento.
A nossa dedicação, a partir de 2010, aos estudos sobre a atividade de extração e beneficiamento de minerais na Paraíba esteve pautada pela busca de explicações para a manutenção das condições extremamente precárias, com considerável incidência de mortes e acidentes, nas turmas de garimpeiros que extraíam caulim no município de Junco do Seridó, na microrregião do Seridó paraibano. Além das péssimas condições de trabalho, esses garimpeiros não tinham proteção social e a forma rudimentar como extraíam o minério deixava um passivo ambiental que comprometia as áreas próximas do roçado onde se plantava a lavoura de subsistência.
Em turmas de seis garimpeiros, cinco são transportados por um guincho mecânico que, anteriormente, era feito de cordas e madeira e puxado manualmente. Chegam a trabalhar em profundidades de 50 a 60 metros sem nenhum equipamento de segurança, tais como capacetes com lanternas ou balões de oxigênio. Estes homens são basicamente agricultores ou filhos de agricultores que desenvolvem as duas atividades.
Seus corpos estão acostumados a passar longas horas com a coluna curvada manuseando a enxada para cavar as covas para o plantio e para “limpar o mato”, tarefa que exige também muita força física e resistência. Assim, estão preparados para escavar o solo com picaretas, passando, do mesmo modo que ocorre com a atividade agrícola tradicional, longas horas curvados.
O trabalho no garimpo de caulim é desgastante fisicamente e perigoso, tendo em vista que todo ele é exercido no interior do solo, sem nenhuma segurança e, portanto, sem a chance de defesa em uma situação de desabamento. Nos anos de 1960, com a política de industrialização do Nordeste conduzida pela Sudene, a mineração recebeu recursos financeiros que, no fim desta superintendência, ultrapassaram 1 bilhão de reais, segundo o relatório da CPI Finor. Tais investimentos foram suficientes para uma modernização do beneficiamento mineral e algumas indústrias de bens intermediários como a de cimento, tintas e vidros, porém, mantiveram o que chamamos de “homens subterrâneos” nas mesmas condições de precariedade e de desproteção social que, historicamente, caracterizaram seu regime de trabalho.
As políticas que vieram nos anos 2000, com o APL Mineral, Empreender e Prodemin não alteraram significativamente a realidade das condições de trabalho e da posse das licenças para extração mineral. A formação de turmas de garimpeiros sob a intermediação de atravessadores, com pagamentos feitos por diária ou por produção persiste e expõe os garimpeiros a uma superexploração do trabalho que, a despeito da intensificação da jornada, não elevam a renda possibilitando melhores condições de vida. A posse das licenças de pesquisa nas mãos de empresas e atravessadores se constitui um instrumento de dominação dos garimpeiros que só podem fazer a extração se forem autorizados pelo detentor do direito sobre a jazida. As sete cooperativas de garimpeiros, criadas pelo Estado, só têm pouco mais de 270 cooperados e as áreas que dispõem não chega a 5% do total de áreas autorizadas para extração. Tem-se, portanto, aquilo que os economistas latino-americanos chamaram de uma economia subterrânea. No nosso caso, a extração e venda de minério existe sem que todas as operações passem pelos sistemas formais de tributação, de previdência social e de regulação ambiental e trabalhista, sobretudo, em razão da maximização do lucro, a eliminação de barreiras à livre exploração mineral. Podemos ampliar o sentido de “subterrâneo” para a condição social da invisibilidade destes trabalhadores como sujeitos de direitos. Nas pequenas cidades, essa condição subterrânea não é vista de todo negativa já que ela representa uma possibilidade de renda em realidades na quais não há outra escolha.
Para os garimpeiros, o risco de morrer de fome ou no desalento é tão assustador quanto o de morrer soterrado e vem daí a força destes trabalhadores para enfrentarem tal situação cotidiana de perigo e de desgaste. Como gerar empregos em níveis mínimos de dignidade? O que fazer quando as jazidas do Seridó chegarem à exaustão? De que maneira a mineração paraibana pode contribuir com a construção de um futuro diferente para a geração descendente dos homens subterrâneos? Estes são desafios que precisam ser enfrentados na Paraíba.