Dois grandes patoenses
23 de março de 2022Dois grandes patoenses por Flávio Sátiro Fernandes.
Texto extraído da coluna Funes do Jornal a União publicado na data de 03/1/2021 .
O título deste artigo remete às figuras de Ernani Sátyro e Dom Fernando Gomes dos Santos, dois grandes patoenses, dois grandes paraibanos, dois grandes brasileiros. Nascidos em Patos, foram companheiros de escola, foram amigos de infância, foram colegas de brincadeiras, separando-se quando tiveram de prosseguir os estudos na capital paraibana. O Amigo Velho matriculou-se no Colégio PIO X, em seguida, no Liceu Paraibano, ingressando, concluídos os estudos preparatórios, na Faculdade de Direito do Recife, por onde se graduou.
Dom Fernando, por sua vez, entrou no Seminário de João Pessoa, transferindo-se, em seguida, para Roma onde fez os cursos de Filosofia e Teologia no Seminário Pio Americano, ordenandose sacerdote na Cidade Eterna.
Ernani Sátyro, após bacharelar-se em Direito, no Recife, ingressou na política, elegendo-se deputado estadual, pela legenda do antigo Partido Libertador. Com isso sucedia a Miguel Sátyro na liderança política de sua terra. Algum tempo depois, a convite do governador Argemiro de Figueiredo, foi chefe de polícia e prefeito da capital, mas logo depois caiu no ostracismo, acompanhando seu chefe e amigo Argemiro, alijado do governo, por ato do ditador Getúlio Vargas. Por sua vez, depois de receber as ordens sacras, Dom Fernando voltou ao Brasil e à Paraíba, tendo sido designado vigário da Paróquia de Cajazeiras, sendo transferido, posteriormente, para Patos, sua cidade natal, onde foi vigário, realizando uma obra paroquial das mais notáveis, quer do ponto de vista religioso, quer do ponto de vista secular, construindo uma moderna igreja que ainda hoje chama a atenção pelo seu arrojo arquitetônico, enriquecida pelas pinturas feitas em seu interior, pelo pintor baiano J. Lima, contratado pelo sucessor de Pe. Fernando, o padre Zacarias Rolim de Moura.
A partir daí, ambos bateram as asas em longos remígios, atingindo os píncaros de suas respectivas atividades, para gáudio dos patoenses e paraibanos. Ernani Sátyro elegeu-se deputado à Assembleia Nacional Constituinte de 1945, que deu origem à Constituição de 1946. Após, foi reconduzido seguidas vezes à Câmara dos Deputados.
Nomeado ministro do Superior Tribunal Militar, exerceu o cargo com proficiência, aposentando-se para candidatar-se a Governador da Paraíba, através da Assembleia Legislativa. Eleito, tomou posse e realizou uma das mais profícuas administrações que a Paraíba conheceu. Retornou à Câmara dos Deputados, eleito para dois mandatos, quando se desincumbiu de importantes tarefas que lhe foram confiadas pelo parlamento nacional, destacando-se entre elas as relatorias do projeto de lei de anistia e o projeto de lei instituindo um novo Código Civil para o Brasil. Nas letras, foi romancista, poeta, cronista, ensaísta, publicando livros, artigos, em jornais e revistas especializadas. Não mais fez porque encantouse, a 8 de maio de 1986, em Brasília, onde foi sepultado. Dom Fernando Gomes empreendeu, por seu turno, não menores voos, alçandose, primeiramente, no episcopado brasileiro, a bispo de Penedo, Alagoas.
Em seguida, foi distinguido com sua escolha para bispo de Aracaju, Sergipe. Por fim, foi alçado à alta posição de Arcebispo de Goiânia, Goiás, onde realizou obra notável.
A Arquidiocese de Goiânia deu a D. Fernando a oportunidade de atuar em vários sentidos, esforçando-se por dinamizá -la e fazê-la crescer, inclusive, instituindo uma Universidade Católica, criando meios de comunicação e, sobretudo, aproximando-se da gente goiana e, notadamente, de sua mocidade estudiosa. Esta última ação despertou a atenção e a vigilância dos órgãos de informação que, àquela época, monitoravam o comportamento e a atividade de pessoas tidas por eles como perigosas à segurança nacional.
Em seu pastoreio, naquela capital, Dom Fernando no amparo religioso e temporal à mocidade de sua Arquidiocese, ajudando-a a suportar os rigores do mandonismo militar, chegou a granjear a animosidade dos círculos castrenses, culminando as represálias à sua pessoa na invasão da catedral, aprisionamento e agressão a jovens fiéis que ali estavam reunidos e ali mesmo foram agredidos a arma de fogo, por elementos da Polícia Militar do Estado de Goiás, fato ante o qual ele manifestou o seu mais veemente protesto. A essa época, Ernani Sátyro desempenhava a função de líder do Governo Costa e Silva na Câmara dos Deputados, época conturbada de nossa história, em que, quase diariamente, noticiavam-se fatos políticos de gravidade, os quais, mesmo não sendo de responsabilidade do Governo federal, como o que se deu na Arquidiocese e na Catedral de Goiânia, enredava-o e o punha na mesma refrega.
O mais importante, no caso, era o estado de espírito do Pastor et Magister, Dom Fernando, também cognominado, por Leonardo Boff, como Defensor et Procurator Populi, o qual, apesar da fortaleza que o recobria, sentia-se deprimido, não por si, mas pelos jovens agredidos pela polícia, dentro de sua igreja. Sensível a isso, Ernani Sátyro não pensou duas vezes: chamou a Antonietta, sua esposa, e partiram, de automóvel, para Goiânia, a fim de levar uma palavra de solidariedade ao amigo oprimido, em que pese sua posição de líder do Governo Federal.
Esse episódio, que dá bem a medida da personalidade do Amigo Velho e da sua lealdade e correção de atitudes, foi narrado por ele próprio, no discurso pronunciado na tribuna da Câmara, logo após o falecimento de Dom Fernando Gomes.