A escola que “matou” Miró, criou um “nem nem”
2 de outubro de 2023A escola que “matou” Miró, criou um “nem nem” por Tina Carvalho.
Texto extraído da coluna Funes do Jornal a União publicado na data de 29/09/2023.
Aos três anos, ele descobriu que não sabia desenhar. Aos seis anos, ele descobriu que não sabia cantar e dançar. Aos nove anos, ele descobriu que não sabia ler e escrever. Aos 12 anos, ele descobriu que era completamente dependente do saber alheio e que aprender esses saberes era muito chato. Aos 17 anos, ele descobriu que não tem curiosidade para nada e que sua incapacidade para aprender cristalizou. Aos 20 anos, ele descobriu que aula não ensinava, mas mesmo assim ele queria mais aula. Aos 23 anos, ele descobriu que seu diploma e suas boas notas não lhe abriram portas de trabalho.
Pedro amava desenhar, até o dia que sua prestativa professora da Educação Infantil, sentou ao seu lado para ensiná-lo como se desenhava. Com boas intenções, ela não percebeu que, ao ensinar-lhe como se desenhava, implicitamente estava desqualificando seus desenhos, demonstrando que sua produção é insatisfatória e aos três anos ele começou a dizer que não sabia desenhar. Passou a esperar que alguém lhe desse algum modelo para ser copiado. Daí para frente, ele recusava fazer qualquer trabalho artístico, para evitar a frustração de perceber que era incapaz de se expressar artisticamente.
Ao ingressar no Fundamental I, ele começou a ter aula de artes e por não reproduzir exatamente o canto e a dança que a professora pedia, descobriu que não sabia dançar e cantar e essas atividades que antes lhe causavam alegria, passaram a causar angústia e frustração. Logo Pedro pegou uma professora de Português muito rigorosa, nos moldes tradicionais, e aos nove anos, cada vez que lia um texto em voz alta e gaguejava, sua professora o corrigia, completava as palavras ou pedia que ele ficasse mais atento. Constrangido por errar tanto, ele não queria mais ler em voz alta. Com a escrita foi um pouco pior, a professora grifava bem grande as palavras que ele escrevia errado e fazia que ele reescrevesse aquela palavra 40, 60 ou até 100 vezes, para nunca mais esquecer… e é claro que ele esquecia. Aos nove anos, ele se sentia um desqualificado, pois parecia que todos sabiam escrever e ler bem, menos ele.
Aos 12 anos, ele já estava bem posicionado na “linha de montagem” da escola, aceitava mansamente o sistema. Sabia que não havia opção, a única saída era seguir o fluxo e engolir os conteúdos impostos por seus professores. Neste momento, ele desiste de ser ele mesmo, pois o sistema formata a todos – ir para escola era muito chato, cumprir as tarefas era muito chato e decorar conteúdos para as provas era muito chato e nada disso fazia sentido para ele. Ele desiste de lutar, se percebe completamente incapaz, e ter curiosidade em aprender coisas novas passa a ser coisa de criancinha – coisa do passado, não existe mais, morreu – e aos 17 anos, ele não quer saber de mais nada.
Aos 20 anos, ele tem certeza que quase nada foi aprendido com as aulas dos anos de escola, ele percebe que só aprendeu alguma coisa quando teve que desenvolver projetos complexos, mas mesmo assim, na faculdade ele pede por mais aulas no formato mais tradicional possível, onde o professor declama o saber.
Ele passa anos na faculdade, focado nas notas boas, que muitas vezes chegam com trabalhos em grupo feito pelos outros, por plágios, compra de projetos prontos ou colas em provas, e ao término de tantos anos frequentando escolas e faculdade, ele descobre que não está apto ao mercado de trabalho.
Quando pequeno, Pedro gostava muito de artes. Poderia ser um Miró, um Picasso ou um Monet, um exímio violinista, ou um bailarino, mas a escola o colocou nos trilhos da mesmice – uma linha de montagem, onde talentos são desprezados, onde o desejo de aprender é ignorado e no lugar surge o conteúdo da próxima página da apostila que deve ser “engolido”.
Triste Pedro, agora é chamado de geração “nem nem” – nem estuda e nem trabalha.