Dom Fernando Gomes, o guerreiro da paz (IV)
1 de julho de 2024Dom Fernando Gomes, o guerreiro da paz (IV) Por José Ozildo dos Santos.
Texto extraído da coluna Funes do Jornal a União publicado na data de 28/06/2024.
Espírito incansável, auxiliou na fundação da Comissão de Justiça e Paz, organização que tem por missão a promoção e a defesa dos direitos humanos, especialmente dos mais fracos. Em síntese, pode-se dizer que “a dimensão de sua vida se estende para a igreja universal”, porque ele soube, de maneira consciente, transformar a ação evangelizadora, colocando-a em defesa dos mais humildes.
Pastor firme e sereno, áspero e denso, culto e aberto, Dom Fernando entrou para a história do clero brasileiro como um “poeta combatente dos bons combates pela fé, pela verdade, e pela justiça social”. E, como sacerdote e cidadão, teve uma vida “marcada por duas grandes preocupações: a evangelização e a justiça social”.
Conciliador, ensinava que “o maior pecado é o pecado contra a unidade” e que “a causa da Igreja é a causa de Cristo e que a causa de Cristo é o Homem”. Assim, na observação da Irmã Laura Chaer, nasceu “o Dom Fernando profeta”, um arcebispo que defendia “o homem, sua dignidade, sua liberdade, sua responsabilidade e cidadania”, e ensinava que todo homem tem “o direito de crescer, de ter sua palavra na marcha da história, de intervir, livre e responsavelmente, no curso do processo social”.
Espírito polêmico e irrequieto, Dom Fernando era um homem transparente, autêntico, capaz de gestos simples e solidários com qualquer pessoa. Adepto da Teologia da Libertação e cultor da verdade, em sua ação, fez dessa primícia seu lema e frequentemente afirmava que era preciso “construir o reino de Deus sem medo e sem
violência”.
Existem algumas páginas da vida desse ilustre patoense que foram marcadas por lágrimas e sofrimentos. Na década de 1960, quando o Brasil viuse mergulhado no arbitrarismo do Regime Militar, Dom Fernando dialogou com a Ditadura, procurando mostrar que, por meio da violência, não se consegue o respeito e, muito pouco, a governabilidade de um país. Incompreendido, rompeu com o novo regime e pôs em prática seu lema “sem violência e sem medo”, por entender que “patriotismo não é privilégio de militar”.
Grande defensor dos direitos humanos, durante aqueles tristes anos da história pátria, numa atitude corajosa, fez de sua residência — localizada no cruzamento da Rua 20 com a 14, no Centro de Goiânia — abrigo e asilo para aqueles que fugiam do arbitrarismo e das perseguições políticas. Por suas atitudes, foi sitiado e pressionado. No entanto, em nada cedeu.
Numa visível demonstração de arbitrariedade e desrespeito a Deus e à Igreja Católica, acusando Dom Fernando de subversão, os militares, no dia 15 de setembro de 1968, invadiram a catedral metropolitana, metralhando alguns estudantes e ativistas. Após esse episódio triste, por algum tempo, Dom Fernando foi mantido preso em seu sólio. Entretanto, em momento algum fraquejou, nem mesmo quando teve a Rádio Difusora censurada e a Revista da Arquidiocese impedida de circular (1973-1974).
Corajoso, moldado pela rudeza e aspereza do Nordeste — onde nascera — continuou resistindo e orientando seu rebanho, mostrando-se solidário a todos que lutavam contra as injustiças e violências, praticadas pelo Regime Militar. Certa vez, relembrando a invasão de sua catedral, assim reportou-se: “Os acontecimentos de 1968 fizeram história e dela a Igreja participou com seu testemunho”.
Em 29 de dezembro de 1980, numa carta pastoral, destinada aos bacharéis de Direito da UFG, disse: “Unamo-nos, sem violência e sem medo, para vencer o arbítrio, a prepotência e o terrorismo. Mais do que escravos da lei iníqua, sejamos arautos da Justiça e amantes da verdade” e “sejamos livres, no pleno e evangélico sentido da liberdade, e elevaremos o mundo acima de suas iniqüidades e faremos triunfar os ideais de vida, de amor e de paz”.
Curioso é observar que as ações pastorais por ele desenvolvidas em Goiânia “foram um reflexo de tendências e aptidões já demonstradas em seus primeiros anos de sacerdote, destacadamente em Patos, sua terra natal, como pároco. A luta em favor da educação, o amor e a dedicação à sua Igreja, o fervor pela Ação Católica, a defesa dos oprimidos, tudo isso Dom Fernando já tornara concreto em seus dias de vigário de Patos, quando era apenas o padre Fernando”.