Boas-vindas
8 de novembro de 2024Boas-vindas Por Natã Yanez.
Texto extraído da coluna Funes do Jornal a União publicado na data de 08/11/2024.
“As pessoas migram do interior buscando qualidade de vida, masretiram a nossa qualidade” — essas foram as palavras de boas-vindas. Migrei do Sertão da Paraíba para a capital paraibana, não por uma escolha pessoal, mas por logística profissional. O choque térmico é semelhante ao choque de realidades entre os bairros-interiores e os bairros capitais. Os bairros-interiores são aqueles que lembram as cidades de pequeno porte, povoados em maioria pelos trabalhadores, enquanto os bairroscapitais são aqueles que transitam entre parecer um condomínio de luxo ou um distrito industrial. Na capital, a divisão das classes sociais é visível, principalmente entre os que andam de carro e os que andam de ônibus, mesmo que ambos não andem para lugar algum durante os horários de pico, aqueles momentos anteriores e posteriores aos expedientes cotidianos.
Em resumo, são essas as minhas impressões, tanto que me impressiono com a paisagem, um horizonte de telhados residenciais, varandas prediais e copas de árvores. Inclusive, o prédio em que resido possui três pisos: o térreo, o primeiro andar e o segundo andar. Cada piso possui quatro apartamentos enumerados: 101 ao 104; 201 ao 204; 301 ao 304. Como espelhos que se autorrefletem, tais números expandem a finitude espacial desses espaços retangulares, mesmo empilhados como caixas de sapatos, expostas a um clima quente-úmido, tipicamente tropical. Nesse edifício, não há isolamento acústico, proporcionando que as pessoas se escutem diariamente, num maior nível de interação/intimidade do que recitar um automático “bom dia”, “boa tarde”, “boa noite”, pelos estreitos corredores e pelas estreitas escadas.
Além-prédio, há a rua, há a esquina, há o ponto de ônibus, respectivamente nessa ordem, ou vice-versa, em caso de deslocamento contrário. Aliás, a “vice-versatilidade” é algo que vivenciamos cotidianamente, durante as pequenas conversas diárias nos pontos de ônibus, momento que divide as pessoas entre: aquelas que reconhecem os seus destinos pelas numerações dos ônibus; aquelas que perdem suas rotas, mesmo verificando os aplicativos de locomoção. Pertenço ao segundo grupo, motivo pelo qual conheço essa divisão social “busológica”.
Intraprédio, a única janela exterior expõe a paisagem arbóreo-urbana, pelo panorama paradoxal de um horizonte verticalizado, no qual outros prédios demarcam linhas que lembram um exame psicotécnico, único paralelo que consigo fazer neste exato momento. Em oposição ao vento quente, os sons umedecem os ouvidos, alertando sobre a passagem constante de carros, de motocicletas e de ônibus, num ciclo quebrado pelo som de alguma ambulância. A quebra de paradigma por luzes azuis e vermelhas, na cadência de uma sirene contínua, indica que alguém passou mal ou algum acidente ocorreu, talvez as duas coisas tenham acontecido, mas podemos apenas deduzir, pois temos tempo apenas para pensar em nós mesmos: quando temos, quando pensamos.
Na cidade grande, não há tempo: tempo é dinheiro, tempo é trabalho, e não temos tempo. Há uma urgente necessidade de sobrevivência. Não há tempo para superficialidades, como contar quantos carros participaram daquele cortejo fúnebre ou qual a finalidade daquela ambulância em alta velocidade, perguntas retóricas que povoam o imaginário da cidade pequena, como a minha no interior da Paraíba. Talvez haja, em algum momento, alguma semelhança entre os bairros-interiores e as cidades pequenas, mas isso é uma mera coincidência.
Aliás, não sei o quanto fui compreensível com esta crônica, mas sei o quanto estou sendo nostálgico com este texto. Enfim, penso que a falta de qualidade de vida das pessoas é um problema estrutural. Por esse motivo, talvez eu visite alguma igreja, apenas para ouvir estas palavras: “Seja bem-vindo, em nome do Senhor!”.
Urbano
Na cidade grande, não há
tempo: tempo é dinheiro,
tempo é trabalho, e não
temos tempo. Há uma
urgente necessidade
de sobrevivência.
Não há tempo para
superficialidades