A educação e o paradigma do vencedor
18 de outubro de 2024A educação e o paradigma do vencedor Por Prof. Delzymar Dias.
Texto extraído da coluna Funes do Jornal a União publicado na data de 18/10/2024.
Uma criança de 8 anos arrumase para ir à escola naquele dia. Prepara seu material, canetas de várias cores, massa de modelar e um quadrinho que deseja mostrar aos colegas, na hora do recreio. Não usará nada disso naquele dia, já tinha esquecido que era dia de simulado. Um teste com 30 questões objetivas que mede o desempenho individual em cada matéria. Aqueles que acertarem o maior número de questões, terão nomes colocados em uma lista na qual os melhores estão no topo e os piores na parte de baixo.
O algoritmo de uma rede social me traz um adolescente, de 13 anos, que ensina na internet como ganhar dinheiro fácil e a primeira lição que faz questão de destacar é a necessidade de abandonar a escola, já que ela não ensina nada que será usado no futuro. É o universo coach que chega ao mundo infantil e ganha cada vez mais terreno com as promessas de riqueza plena a partir das revelações de “códigos” padronizados que não possuem nenhuma base lógica ou sólida.
Quando essa mentalidade utilitarista chega até a escola, todos perdem. Em uma sociedade que vivencia o paradigma do vencedor, diariamente, uma legião de derrotados são constituídos no meio escolar, promovendo, muitas vezes, sem intenção, um grupo que entende que certas habilidades e competências não estão ao seu alcance, já que sempre figuram na parte de baixo das listas classificatórias.
Somos vítimas de um sistema que nos convenceu de que só existe uma forma de ensinar e uma forma de aprender. Recentemente, saiu uma pesquisa sobre o ranking da criatividade. Tentaram medir a capacidade dos jovens de gerar ideias originais e criativas para problemas em contextos diferentes. O grande destaque da mídia foi que o Brasil ficou atrás de países como a Jamaica, Mongólia, Cazaquistão e dos vizinhos Uruguai e Colômbia. Outra matéria falava que os alunos brasileiros leem muito devagar, não entendem frases e sentem vergonha de se expressar. Como esperar uma melhora no sistema educacional se o que temos é o mesmo? Vivemos perfumando o passado e cortejando o abismo. Continuamos trabalhando em uma perspectiva de inovação totalmente errada e ainda achamos que inovar é colocar um tablet ou notebook na mão do aluno enquanto discutimos a redução do tempo de uso de telas e os seus impactos na aprendizagem. Estamos discutindo o banimento dos celulares das salas de aula, sem que se trate a educação digital como imperativo necessário para os tempos atuais. Nada disso faz sentido.
Aponta-se um fracasso da educação brasileira ao mesmo tempo que as mudanças que estão sendo propostas não levam em consideração a perspectiva dos professores que estão em sala de aula e que conhecem a realidade. Essas propostas tendem a aprofundar esse fracasso, já que estão baseadas em um modelo que leva em conta as variações do mercado e da economia, desconsiderando a pessoa/gente do processo educativo.
Miramos para o alvo errado e tornamos as vítimas de um sistema de ensino anacrônico em uma espécie de algoz de si mesmo, já que a moda agora é a meritocracia que iguala o herdeiro ao filho do catador. Rubem Alves, ainda na década de 1990, criticava uma educação conduzida por decisões de burocratas ausentes. Defendia uma escola que fosse atenta às curiosidades das crianças. Paulo Freire advogava uma escola séria, rigorosa e que produzisse pessoas felizes. Não se faz educação de qualidade com alunos e professores tristes e cada vez mais medicados. Sim, estamos empurrando medicamentos em crianças e adolescentes para curar o que não tem cura.
Não iremos chegar a lugar algum enquanto naturalizarmos a exclusão disfarçada de inclusão e a aprovação disfarçada de aprendizagem. Avaliar externamente crianças, adolescentes ou um sistema educacional com um todo a partir de dois componentes é um erro, elas podem mais. Excluir crianças atípicas dessas avaliações é confirmar o falseamento de um processo que já nasceu velho e antigo.
A escola não deve ser guiada pela lógica da competição, mas pela ação colaborativa, já que, quando aprendemos juntos, aprendemos mais.