Escola dos sonhos
6 de setembro de 2024Escola dos sonhos Por Delzymar Dias.
Texto extraído da coluna Funes do Jornal a União publicado na data de 06/09/2024.
Vidas Secas é uma obra de 1938, escrita por Graciliano Ramos. Foi uma das poucas obras que me fez chorar. Em uma das cenas mais marcantes, a cachorra Baleia, já em seu estágio final, sonha com um mundo cheio de preás gordas e enormes. Em “Das utopias”, o poeta Mario Quintana diz que, “Se as coisas são inatingíveis… ora! Não é motivo para não querê-las…” Não falamos mais em sonhos. Em uma sociedade que se acha prática e vive de atalhos, falar em sonhos parece uma coisa bem distante.
Na educação, é comum associar qualquer prática que se diferencie do que se convencionou ser o normal, de tentativa utópica ou sonhadora. Abandonamos a utopia de uma educação verdadeiramente inclusiva para normalizar absurdos,
como alunos atípicos sendo retirados de sala de aula para que os outros realizem avaliações externas que servirão de base para medir a qualidade da educação. Normalizamos a ideia de que alunos devem ser punidos por irem ao banheiro, por não estarem na escola com a meia da cor correta, por exceder o número de linhas em uma resposta, por falar mais, por falar menos, por correr, enfim, uma das coisas que aprendi com o professor José Pacheco sobre educação é que existe um debate inútil sobre qual deve ser o centro desse processo. Segundo ele, nem é o aluno, nem é o professor. Para Pacheco, o centro está em cada coisa, em cada pessoa, em cada objeto. O centro é a relação e o vínculo. É a prática materializada na ideia de que escolas são pessoas.
Toda essa conversa inicial sobre sonhos, escolas e utopias é para falar sobre a minha visita à Escola dos Sonhos, localizada na cidade de Bananeiras, no Brejo paraibano. Sim, o nome da escola é Escola dos Sonhos, uma escola pública/comunitária, fruto de sonhos coletivos e de um projeto pedagógico baseado não apenas na autonomia do aluno, mas na necessidade dele compreender todas as etapas do processo educativo que ele está envolvido e inserido.
As crianças e os adolescentes de lá, vivenciam um ambiente educacional sem salas de aula divididas por paredes. Eles estão totalmente conectados em um espaço aberto de interação e aprendizagem. Não existem provas, divisão por séries ou punições por indisciplina. Já pensou? O projeto nasce de uma inquietação da educadora Leila Rocha Sarmento em parceria com as Irmãs Carmelitas. A inspiração é a escola da ponte, em Portugal, projeto fundado pelo professor José Pacheco e que foi divulgado no Brasil por intermédio do educador e escritor Rubem Alves, que escreveu uma série de textos intitulado: “A escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir”
Eu ainda não visitei a Ponte, mas visitei a Escola dos Sonhos. Eu visitei uma escola diferente de tudo. Um espaço de convivência onde a aprendizagem é constante, os alunos são ouvidos e lideram o processo de escolha dos temas que irão estudar. Onde cada aluno organiza o seu espaço e lava seu prato e talheres após as refeições e os pais participam ativamente do cotidiano escolar. Na escola dos sonhos, tudo é base para aprendizado e cada criança constrói a sua rota por meio das fichas de interesse, construindo cada jornada, que dura até três semanas. As áreas de conhecimento são trabalhadas de forma transversal, sempre ressaltando o diferencial vinculado ao interesse do aluno.
O que mais me deixou espantado foi o domínio pleno dos alunos sobre a metodologia utilizada. Dos mais jovens aos mais velhos, todos eles entendiam perfeitamente o processo pedagógico no qual estavam inseridos. Isso é espantoso, já que, no sistema regular, os alunos possuem uma dificuldade imensa em responder a uma pergunta simples como: o que você aprendeu hoje na escola?
Os alunos se expressam bem e escrevem bem, mas, acima de tudo, parecem estar contentes com as vivências. Estamos tão presos às rotinas e padronizações excessivas nas escolas que vale a pena conhecer a Escola dos Sonhos e perceber que, é possível, sim, a construção de um espaço educativo que leve em consideração aspectos que vão além dos números.