Conto: um segredo ou uma confissão
6 de agosto de 2024Conto: um segredo ou uma confissão Por Ellen Diniz.
Texto extraído da coluna Funes do Jornal a União publicado na data de 02/08/2024.
Aos 15 anos de idade eu me apaixonei por um professor de português. Ele era diferente de todos os outros professores da escola, sempre usava umas camisas legais e estilosas. E na hora do intervalo, ele usava fones de ouvidos, daqueles grandes… Acho que ele tinha um mundo só dele. Ele tinha o cabelo preto e cacheado, eu sempre quis sentir de pertinho o cheiro do cabelo dele. Mas, é óbvio que isso nunca aconteceu.
Um dia, cometi o erro de contar para uma amiga da sala que eu estava apaixonada por esse professor. Ela riu muito, e disse que essa paixão era ridícula, porque, para ele, eu era só uma aluna. Depois que eu fiz essa confissão, fiquei extremamente envergonhada. A minha amiga tinha razão, era ridículo mesmo, eu deveria ter ficado calada.
Enquanto a gente mantém algo guardado em nosso íntimo, é como se não fosse real, a partir do momento que confessamos esse segredo para alguém, ele passa a existir de verdade. Agora, não posso voltar atrás, já contei. O que não tem remédio, remediado está!
Sobre o amor, eu não tenho muita experiência com essas coisas. Quando eu tinha 13 anos, cheguei a beijar um rapaz da minha rua três vezes, e, na minha cabeça, nós estávamos namorando, porque além dos beijos nós fomos tomar sorvete e andamos de mãos dadas. Dias depois, encontrei ele na rua andando de mãos dadas com outra garota, e tomando o mesmo sorvete de baunilha. De longe, eu pude observar que a garota era muito mais bonita do que eu, fiquei triste nesse dia. Vai ver se eu fosse tão bonita quanto ela, nós ainda estaríamos andando de mãos dadas, e tomando sorvete aos domingos.
Dias depois, voltei a pensar naquilo que a minha amiga Raquel me disse: “Para ele, você é só uma aluna”. Então, para o professor de Português, eu era apenas uma aluna igual a tantas outras presentes naquela escola. Provavelmente, se eu faltasse um ou até dois dias de aula, ele nem notaria a minha ausência, e se notasse, seria somente na hora da chamada.
Por outro lado, se ele faltasse, eu seria a primeira a notar, porque além de estar apaixonada por ele, eu amava as aulas de português. Eu só não gostava muito das aulas de gramática, eu odeio gramática. Em contrapartida, eu amava as aulas de poesia. Ele sempre levava poemas para ler com a gente, depois ficava explicando o significado daqueles versos, como se estivesse revelando um grande segredo.
Um dia, peguei um livro do meu pai e coloquei na mochila da escola. Eu não queria ser apenas uma aluna para aquele professor, se fosse para ser só uma aluna, eu precisava ao menos ser a mais inteligente, assim ele lembraria de mim. Durante a aula dele, tirei o livro da mochila e fingi discretamente que estava lendo. Em seguida, ele pediu para ver o título do livro, eu mostrei. Infelizmente, eu vi nos olhos dele a decepção, acredito que o livro deveria ser muito bobo, se fosse um livro de fato interessante, ele teria feito uma expressão totalmente diferente. Voltei para casa envergonhada.
Outro dia, eu tive uma ideia: resolvi fazer uma pesquisa na internet para encontrar alguns nomes de poetas importantes. Era óbvio que o meu professor amava poemas. Se eu encontrasse algum título de livro de um poeta muito importante, eu poderia ler e ficar totalmente por dentro do assunto, e durante as aulas de português, eu ia me destacar por saber muitas coisas sobre poemas.
De repente, encontrei um nome: Fernando Pessoa. De acordo com as minhas pesquisas, esse escritor é de Portugal, pelo que eu entendi, ele tem vários heterônimos. Eu sei o que é heterônimo porque o professor já falou sobre isso nas aulas de literatura. No mesmo instante, lembrei que o meu pai guardava um livro de Fernando Pessoa na estante, peguei o livro para ler e encontrei um poema que dizia assim:“Todas as cartas de amor são ridículas.”
Terminei de ler esses versos com raiva e me sentindo mais envergonhada por estar apaixonada. Se até esse escritor importante está dizendo que as cartas de amor são ridículas, por que eu deveria insistir no amor? Mas, notei que uma das estrofes dizia assim: “Mas, afinal, só as criaturas que nunca escreveram cartas de amor é que são ridículas”. Então, talvez o que eu senti aos 15 anos não fosse tão ridículo assim. Ao menos um escritor importante estava ao meu lado. Por causa disso, passei a amar mais Fernando Pessoa do que o próprio professor de Português. Anos depois, entrei em um bar durante a noite, e pedi uma bebida. Nessa época, eu estava com 25 anos. De repente, o professor de Português entra no mesmo bar:
Professor: Oi, Maria. Você tá bem? Nossa, você continua com o mesmo rostinho de antes.
Maria (expressão de sorriso meio tímido): Oi, eu estou bem.
Professor: Estou com uns amigos lá fora, foi um prazer revê-la.
Voltei para casa extremamente surpresa, eu sempre tive a certeza que quando saísse daquela escola o professor não lembraria do meu rosto, muito menos do meu nome. Mas ele lembrou. Fiquei feliz. O cabelo dele continuava lindo. Obviamente que, a essa altura, eu não era apaixonada por ele, e toda aquela paixão vivenciada aos 15 anos me fez voltar para casa rindo. Tudo é tão intenso aos 15, e aos 17 também. Enfim, não era o fim do mundo, era só uma paixão mesmo.