O boto de água doce – parte 1
7 de agosto de 2023O boto de água doce – parte 1 por Carlos Ferreira da Silva.
Texto extraído da coluna Funes do Jornal a União publicado na data de 04/08/2023.
O ano já nem lembro mais, nunca fui afeito a datas, sempre me permiti viver o presente, talvez isso explique meu gosto estranho de contar o tempo como os antigos olhando os fenômenos da natureza: o Sol, a Lua e as nuvens carregadas de chuva ou brancas como o coração de Jesus, como afirmava o sábio ditado popular.
Contudo, uma coisa é certa: devia eu ter, mais ou menos nove ou 10 anos, quando ouvi pela primeira vez minha mãe afirmar que iríamos conhecer o sítio de uns parentes na vizinha cidade de Condado, logo eu, amante da cidade de Patos, nascido e criado nas terras onde o sol faz morada, sairia para terras estranhas? Criança não se domina ou melhor na década de 1980, era assim que a banda tocava, a mãe falava, a nós cabia atender ou logo seríamos apresentados a uma tal de Adelaide, que anos mais tarde, descobri não ser uma pessoa, mas a chinela de minha genitora. Os dias se passaram e aquela euforia tomava de conta de todos da família, da parte da minha mãe, porque veria seus familiares, de nossa parte muito mais a curiosidade por tudo que estava por vir e nos aguardava.
Lembro-me de minha mãe juntando alguns gêneros alimentícios numa sacola de compras, dizendo que levaria para ajudar nos dias que estivéssemos por lá, dado o fato que famílias da roça são grandes e ela não queria dar trabalho, ainda sinto o cheiro do pão doce quentinho que ela comprou como se aquilo tivesse peso de ouro. Enfim, a noite que antecedeu a viagem foi marcada pela ansiedade, penso talvez nossa e deles que lá nos esperavam. Dormimos, depois de uma bronca de minha mãe que se não dormíssemos cedo não acordaríamos e ela nos deixaria sozinhos e trancados em casa.
Nossa família nunca foi grande, minha mãe, Inácia Ferreira da Silva, se chamá-la assim talvez nem responda, acha melhor o apelido, Nazinha, e os meus irmãos: Célia Maria, minha irmã mais velha, e Leandro Luiz, meu irmão adotivo, que fora criado desde os primeiros dias de vida conosco.A bagagem postada em mochilas, que ainda hoje lembro de cor preta, levava nossos pertences, roupas, brinquedos, livros e um terço, sim desde pequenos aprendemos a importância da oração em família.
O momento exato da viagem chegou. Tudo estava pronto, exceto minha irmã que teimava em desaninhar os cabelos, aos gritos de mãe: vai ficar essa danada desta menina, vamos perder o carro. Detalhe: eram 5h da manhã. Eu como sempre estava preocupado em tomar café, comer umas bolachas e sair. Partimos. Não era para uma rodoviária, aeroporto ou coisa semelhante, pegamos o carro da linha, que ficava próximo da linha férrea, do lado da algodoeira, uma Veraneio, de cor amarela, fomos espremidos naquele automóvel, parecendo uma sardinha, em meio a gaitadas e beliscões de minha mãe: “Se comportem”.
O carro deu partida, um motor barulhento, um ronco feio e um povo estranho, nada nos tirava a atenção da estrada, queríamos ver tudo, observar cada detalhe e claro viver aquela aventura, até as últimas consequências, tudo era novidade.
Passamos de frente a Cruz da Menina e nossa mãe, retrucou: Se benza! Traçamos o sinal da cruz. Por falar em cruz, o máximo que conhecíamos era a última pá de terra daquele ambiente, não tínhamos o costume nem dinheiro para frequentes viagens. Acabou o perímetro urbano de Patos e avistamos Santa Gertrudes, até hoje em dia nosso único distrito, e minha mãe atenta nos contava que na infância havia morado ali e inclusive os restos mortais de sua mãe, minha vó Rosa repousam naquele pequeno cemitério, lá se foi outra traçada de cruz na testa.