A crítica social nas letras de Pinto do Acordeon
8 de maio de 2023A crítica social nas letras de Pinto do Acordeon por Silvio Darlan.
Texto extraído da coluna Funes do Jornal a União publicado na data de 05/05/2023.
“Eu vou estar ‘vivão’ a vida inteira porque o artista não morre. Quem já gravou 486 músicas para tudo quanto é de artistas e nos meus discos, esse artista não vai morrer nunca. Ele se imortaliza. Na sua cova nasce um pé de flor”. Essa fala do próprio artista, em um momento de alegria, é a síntese de um dos filhos mais ilustres de Conceição (PB), em depoimento prestado para a série O Milagre de Santa Luzia. Elba Ramalho era vizinha do conterrâneo, cresceram juntos. “Um homem de muita integridade, um homem que venceu muitas batalhas difíceis, de fome, dificuldade de sobrevivência, de adversidades, mas sempre venceu tudo com um sorriso, com um jeito generoso”, disse a cantora na época do seu falecimento, em entrevista à rádio CBN.
Conhecido como Pinto do Acordeon, Francisco Ferreira Lima nasceu em Conceição, no Vale do Piancó, e se tornou popular a partir de apresentações com Luiz Gonzaga, o “Rei do Baião”, tendo sido autor e intérprete de várias canções que marcaram a cultura nordestina. Além de artista, Pinto do Acordeon foi vereador em João Pessoa, em mandato que durou de 1993 até 1997. Sua forte manifestação musical marcou gerações, a obra dele se tornou Patrimônio Cultural e Imaterial do Estado da Paraíba. Ainda em 2019, o artista recebeu o título de Mestre das Artes Canhoto da Paraíba. Em dezembro de 2018, a Câmara Municipal de João Pessoa aprovou a concessão do Título de Cidadania Pessoense a Pinto do Acordeon. A propositura foi do vereador Milanez Neto.
Ele dizia sempre que Luiz Gonzaga foi sua grande inspiração na música. “Quando ele foi tocar em Conceição, a primeira vez, ele estava se apresentando em um grupo escolar e a gente, moleque, tudo em cima dos telhados das casas, para assistir ele. Não tinha dinheiro para pagar”. Foi quando Gonzaga disse lá do palco: “Olha molecada, vocês tudinho aí, amanhã vai ter show de graça em praça pública, vou tocar no meio da rua para vocês que não tem condições de pagar”.
Ele gravou cerca de 20 álbuns durante sua carreira musical, ‘Neném Mulher’ é uma das músicas mais conhecidas, e que se tornou ícone das festas de São João, sendo ele figura principal nas festas de abertura das festas em Patos, gravada também por Elba Ramalho. Sua forte ligação com temas relacionados à agricultura, levou para a música a problematização e situações de dificuldade vivida por nordestinos, na canção ‘Matuto Teimoso’ é possível perceber uma forte crítica social com a falta de assistência estatal, face aos fortes períodos de estiagem que castiga o nordeste.
Em 2008, ele se apresentou no grande Festival de Montreux, na Suíça, no qual se apresentou junto com outros artistas brasileiros, entre os quais Gilberto Gil, Elba, Milton Nascimento, Chico César, Flávio José e outros.
Apesar de levantar situações que afloram a tristeza e o sofrimento vivido por sertanejos que sonham com melhores condições de vida e dignidade, Pinto do Acordeon cria um imaginário de esperança, com habilidades poéticas de forte identificação com a cultura paraibana, sua ligação com a terra é expressa nas suas letras de afirmação e orgulho, suas raízes é desenhada fortemente na canção ‘Minha Origem’, de 1994, com arrimo e lirismo, sutilmente discorre sobre uma grande problemática vivida na segunda metade do século passado, fincado pelo banditismo com origens na violência rural, mostrando um ambiente diferente, de tranquilidade, fazendo um verdadeiro trabalho de divulgação do seu lugar através da arte.
De modo geral, suas letras transmitem a essência das várias manifestações culturais, sempre apontando para situações inusitadas, mas, que carregam uma forte carga de crítica, feita de forma tão harmoniosa, que desafia as letras de qualquer doutor em sociologia. Ao se aproximar dos festejos de São João, impossível não se lembrar de sua energia que arrebata o mais intenso espírito nordestino, esse filho ilustre de Conceição (PB), radicado em Patos (PB), conquistou cabeças e corações e se tornou uma lenda, um vulto de grande expressão cultural, eternizado nas noites de São João.