O cancioneiro mágico
10 de junho de 2022O cancioneira mágico (PB) por Delzymar Dias.
Texto extraído da coluna Funes do Jornal a União publicado na data de 10/06/2022.
Mergulhar no universo artístico do Teatro Mágico é, ao mesmo tempo, se perder e se achar entre os diversos tipos de representações e linguagens que o grupo vivencia no cotidiano musical. O trabalho da trupe possui referências e ramificações incríveis que podem ser encontradas em poesias, saraus, letras de canções, livros de história, trabalhos acadêmicos espalhados pelas universidades brasileiras e até em questões do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que, em 2018, trouxe um item que abordava as referências estéticas da banda de acordo com a integração de suas diversas linguagens artísticas.
É música, dança, vida, poesia, teatro e performances circenses. O nome O Teatro Mágico é uma referência retirada de O Lobo da Estepe, do escritor e pintor alemão Herman Hesse. Encontramos também diversas outras referências culturais nos trabalhos do grupo, a exemplo de Goethe, dos poetas brasileiros Mario Quintana e Carlos Drummond de Andrade, além de Shakespeare e Fernando Pessoa. A sociedade do Espetáculo é o título do terceiro álbum da banda, sendo inspirado na obra do filosofo francês Guy Debord.
O grupo já nasceu causando no cenário musical brasileiro e foi um dos primeiros a lutar pela democratização do acesso aos conteúdos musicais bem no meio das brigas judiciais entre artistas, gravadoras e plataformas que compartilhavam músicas na internet. Em meio a batalhas judicias, a banda passou a defender a ideia de que compartilhar música na internet era trocar afetividade e que as experiências que derivam desse compartilhamento gratuito geravam uma conexão muito forte entre as pessoas que passavam a conhecer o trabalho da banda, comprar os CDs a preços simbólicos e frequentar os shows.
Talvez esse fato citado anteriormente tenha tornado a relação do Teatro Mágico com o seu público tão forte e intensa. Engajamento na internet, shows lotados e participação do público do início ao fim das apresentações. Toda essa sintonia é facilmente percebida através de diversos depoimentos e comentários nas redes sociais que revelam duas características bem interessantes. A primeira diz respeito a forma na qual as pessoas se apropriam das letras das canções para avaliar, analisar, adaptar e relatar vivências próprias e pessoais através do cancioneiro mágico apresentado pelo grupo. A segunda característica faz referência a variação de sensações encontradas ao analisar o público que participa de uma apresentação. Essas pessoas são levadas a uma espécie de encantamento com a intensidade das letras e as cores e os movimentos presentes nas performances, levando rapidamente o público do riso ao choro.
A turma liderada pelo músico Fernando Anitelli utiliza um jogo de palavras que faz com que cada canção tenha um sentido artístico e linguístico que foge do convencional de mercado. Sendo assim, o grupo vem sendo cada vez mais usado no contexto educativo de sala de aula. ‘Amanhã… Será?’ aborda os conflitos árabes através da perspectiva histórica, porém, contextualizado os chamamentos modernos, já que frases como “O post é voz que voz libertará” faz referência ao engajamento nas redes sociais que impulsionam a Primavera Árabe, movimento onde as populações do Oriente Médio e de parte da África foram às ruas por melhores condições de vida e contra os governantes que tentavam se perpetuarem no poder.
A música ‘Zaluzejo’ é fantástica e conta um pouco sobre os diálogos que o Fernando Anitelli teve com Josilene, que trabalhava na casa da sua família. Temos aqui a proposta de uma reflexão sobre o preconceito linguístico que ainda impera em nossa sociedade. As variações linguísticas apresentadas no texto versam também sobre as crenças populares que enfeitam a nossa realidade, a exemplo do “Tomar banho depois que passar roupa mata” e “Olhar no espelho depois que almoça entorta a boca”. Impossível escutar essa música e não relacionar com a obra Preconceito Linguístico, do professor e filólogo Marcos Bagno.
O grupo que nasceu em Osasco (SP) já desembarcou algumas vezes aqui na Paraíba. Em sua última passagem pelo estado, pude compartilhar momentos com o vocalista Fernando Anitelli, que realizou duas apresentações solo na capital paraibana. Durante a conversa gravada para o programa Funes Cultural, realizada na Sala de Concertos do Espaço Cultural José Lins do Rego, conheci alguém que realmente acredita naquilo que canta e vive aquilo que diz. A paixão com que ele aborda os temas relacionados a sua musicalidade e o sentido da existência do grupo é arrebatador. A entrevista foi tão intensa que, no retorno à cidade de Patos, tivemos um problema no computador que ocasionou a danificação do HD com a gravação do programa. Restaram as fotos do encontro e a memória afetiva dessa boa conversa.