‘Direito à cidade e alfabetização urbana’

23 de março de 2022 Off Por funes

‘Direito à cidade e alfabetização urbana’ por Delzymar Dias.

 

Texto extraído da coluna Funes do Jornal a União publicado na data de 17/12/2021 .

 

Direito à cidade e Alfabetização Urbana: Um guia de educação urbana e patrimonial. Esse é o título do livro que será lançado em janeiro de 2022, em Patos. De minha autoria, o trabalho é resultado de um projeto desenvolvido no Centro Integrado de Educação de Patos – Ciep III, formado pelas escolas municipais Firmino Ayres Leite e Otto de Sousa Quinho. O termo “Direito à cidade” é usado inicialmente a partir dos escritos do sociólogo e filósofo francês Henri Lefebvre, no final da década de 1960.

É importante ressaltar que, nesse período, a França vivia um momento de grandes manifestações sociais, a partir das quais, diversas teorias surgem no sentido de transformar radicalmente as relações sociais na cidade. Lefebvre entende que, a cidade, da maneira que estava organizada, servia apenas ao modelo capitalista de produção, defendendo a inversão dessa lógica para que todos pudessem ter o direito de participar ativamente da vida urbana. O objetivo do trabalho é bem mais simples do que a proposta de Lefebvre para a cidade.

A ideia é fazer com que, do ponto de vista didático-pedagógico, os alunos sejam levados a uma situação onde eles possam definir, de fato, o que seria a sua cidade, sem que isso implique em um reconhecimento ingênuo desse espaço apenas como lugar de morada. É impossível para o estudante ter uma ideia sobre a sua inserção e poder de intervenção na cidade e na cultura sem que ele a conheça, por isso a importância de retirá-lo da sala de aula convencional para que ele, de fato, possa explorar as diversas possibilidades que a cidade oferece, criando expectativas, planos e estratégias de ocupação futura dos diversos pontos disponíveis e acessíveis a esse jovem. O direito à cidade e a alfabetização urbana ajudam a provocar um sentimento essencial de ocupação.

Quando você entende que a Universidade Federal de Campina Grande oferece cursos de graduação e que, ao realizar um processo seletivo, se tornar estudante da instituição e concluir um dos cursos que ela oferece, você pode conseguir um bom trabalho e ajudar financeiramente a sua família, aquele espaço deixa de ser apenas um prédio, deixa de ser um amontoado de tijolos assentados em um terreno qualquer. O local passa a ser visto como um lugar de oportunidade.

 A cidade é dele e os espaços precisam ser ocupados por ele. Durante a realização do projeto na Zona Sul da cidade de Patos, identificamos situações onde grande parte dos alunos relatou conhecer o lugar indicado sem saber o que de fato ele significava ou representava.

A Praça Edivaldo Mota foi um dos exemplos que usamos durante a pesquisa. Ao analisar os dados, percebemos que 78% dos jovens, moradores da Zona Sul, que estudavam no Ciep III, não conheciam nem a praça, muito menos a representatividade histórica e cultural do local, haja vista que a origem da cidade seu deu nesse local. Esse apartheid não pode ser naturalizado. Existem milhares de possibilidades pedagógicas caso o professor resolva incluir em seus planejamentos a Educação Patrimonial aliada a Alfabetização Urbana.

É nesse ponto que o direito à cidade se torna um conceito não apenas filosófico e sociológico, mas também pedagógico. Conhecer a cidade de uma maneira ampla é possibilitar o entendimento sobre aquilo que ocorre nela, verificando pequenos e grandes aspectos que vão contribuindo com a formação intelectual, cultural e cidadã do aluno através do cotidiano.

A discussão em torno do direito à cidade não ocorre apenas no sentido de ocupação de espaços ou de resolução de problemas vinculados à moradia, mobilidade urbana, transporte público, iluminação pública, acesso a espaços de lazer e cultura, educação ou saúde. Esse processo é bem mais amplo e envolve também a necessidade de participação através da democratização das decisões.

 A escola não é o ambiente onde são solucionados os problemas urbanos da cidade, porém, é na escola que as crianças e os adolescentes podem aprender sobre a importância da escuta e das escolhas. Escola, pais e comunidade estão envolvidos em diversos instrumentos coletivos de tomadas de decisões, a exemplo do conselho escolar, do conselho municipal de educação, da associação de moradores do bairro, enfim, temos aqui uma oportunidade de reproduzir no ambiente escolar situações onde a decisões possam ser democratizadas, escutando os estudantes e os ensinando que a ocupação de espaços também pode ocorrer através da voz. Tudo isso possui relação com a cidade e com a cultura produzida nela.

 É obvio que o preço, a valorização financeira e a especulação do solo segregam as comunidades, porém, não podemos deixar de cobrar dos nossos representantes, políticas públicas que democratizem a cidade, seus espaços e até as decisões que influenciam a vida de todos.