Uma vida de velha alcoviteira

23 de março de 2022 Off Por funes

Uma vida de velha alcoviteira por José Mota Victor

 

Texto extraído da coluna Funes do Jornal a União publicado na data de 27/08/2021 .

 

Laurentino Gomes, nosso confrade no Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, escreveu no livro 1889 que o Imperador Dom Pedro II “deixava-se fotografar sempre com um livro nas mãos, como a indicar que, em um país carente de cultura e educação, o soberano era um exemplo a ser seguido”. Mais adiante, informa de um depoimento da Princesa Teresa da Bavária dizendo que D. Pedro conseguia se comunicar em seis línguas: francês, inglês, alemão, italiano, espanhol e provençal, concluía informando que o soberano tinha estudado grego, latim, hebraico, russo, árabe, sânscrito e tupi-guarani. Foi nesse ponto que a memória me levou a um prefácio do imortal José Joaquim de Campos da Costa de Medeiros e Albuquerque, jornalista, professor, político, romancista, poeta, fundador da cadeira 22 da Academia Brasileira de Letras e autor da letra do Hino da Proclamação da República.

No prefácio de um livro do ano de 1932, publicado pela Editora Guanabara e pertencente a Biblioteca Armorial do Pinharas, o intelectual pernambucano rechaça os dotes culturais do Imperador: “Os louvaminheiros de D. Pedro II proclamavam por toda parte que ele falava admiravelmente bem as línguas de todos os selvagens do Brasil. Ora, aconteceu um belo dia que se aprisionaram alguns e vieram até o nosso Museu Nacional. D. Pedro para lá se dirigiu e… falou-lhes. Nenhum o entendeu… com esse fiasco, se divertiram os jornais da época.” Medeiros e Albuquerque, que foi contemporâneo de D. Pedro II, tinha uma opinião formada sobre o assunto, dizia que todas as famas do Imperador foram exageradas, deforadas ou inventadas. Tem também uma lenda em torno da visita e amizade do Imperador com o escritor Victor Hugo. Tudo começou quando D. Pedro II chegou a Europa em 1877 e deu instruções a embaixada do Brasil para comunicar ao escritor que desejaria vê-lo no Grande Hotel.

O imperador recebeu uma resposta antipática: “Victor Hugo não visita ninguém”. Humilde, o Imperador não se incomodou: “Não faz mal. Eu procurarei conhece-lo”. Foi então que, de surpresa, numa terça-feira de manhã, resolveu bater à porta do prestigiado escritor no centro de Paris. Um assessor da embaixada, um secretário ou um camarista deve ter fornecido ao imperador todas as informações necessárias para o encontro.

Como D. Pedro gostava de miudezas e amenidades deve ter informado que Adèle Foucher, a esposa de Hugo, o traiu com um dos seus melhores amigos, o escritor e crítico literário Charles-Augustin Sainte-Beuve. O escritor registrou no seu diário que foi uma longa conversa.

Autografou no livro A arte de ser avô: “A Dom Pedro de Alcântara, Victor Hugo”.

 Na despedida o anfitrião, que gostava de afagar as pessoas, falou:

“Felizmente não temos na Europa um monarca como Vossa Majestade.” O Imperador ficou surpreso com a observação: “Por quê?” Ferrenho antimonarquista, a resposta foi de uma deliciosa ironia. “Se houvesse, não existiria um só republicano…”

A verdade é que Victor Hugo elogiava a torto e a direito. Vejam uma informação de Medeiros e Albuquerque: “Ficou celebre um cocheiro de Fiacre, que se tornou maluco, graças a um elogio de Victor Hugo. Chegou a candidatar-se a Academia Francesa!” O interesse do Imperador de conhecer as mentes mais brilhantes do seu tempo foi exaltado pela maioria dos historiadores da época.

Em Roma, depois de ser recebido pelo Papa Pio IX foi correndo se encontrar com o romancista Alessandro Manzoni. Na França procurou Louis Pasteur e Victor Hugo. No livro Poesias – Originais e Traduções de S.M. o Senhor D. Pedro II, publicado por seus netos na tipografia do Correio Imperial no ano de 1889, encontramos uma tradução que o Imperador fez do poema Le Papillon et la Fleur, de Victor Hugo. Tem um exemplar desse livro na Biblioteca Nacional, no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e, se não desapareceu, na biblioteca do Itamaraty. Mas o que o Imperador gostava mesmo era de receber cartas que chegavam nos fundos do palácio.

 Dedicava horas do seu longo reinado para ler as cartas anônimas que tratavam dos mais insignificantes assuntos. Anotava e depois mandava verificar a autenticidade da denúncia. Segundo Medeiros e Albuquerque ele passou a maioria do seu tempo “nessa vidinha mesquinha de velha alcoviteira”.

Não resolvia os grandes problemas do Brasil, mas sabia das amantes dos mais simplicíssimos amanuenses de uma repartição. Talvez esteja aqui a justificativa para gostar de colecionar as cartas e fotografias das mais de 14 amantes que passou por sua cama, só para Condessa de Barral ele enviou cerca de 300 cartas.