As mãos calejadas do Imperador
23 de março de 2022As mãos calejadas do Imperador por José Mota Victor
Texto extraído da coluna Funes do Jornal a União publicado na data de 20/08/2021 .
Uma frase de Antônio Peregrino Maciel Monteiro, o famoso galanteador Barão de Itamaracá, jornalista, médico, diplomata, poeta e um dos fiéis frequentadores dos salões sociais do Império, ficou famosa pelo esnobismo e exagero. A frase poderia muito bem ser atribuída a Dom Pedro II: “Calejadas tenho as mãos de levantar saias de seda…” O sonso e apaixonado imperador do Brasil preferia as mulheres alheias, principalmente a dos súditos mais próximos, dos amigos que viajavam a serviço do Império.
Não foi à toa que o jornalista Apulcro de Castro publicou num pasquim de sua propriedade um verso dedicado ao rei:
Onde estão tuas virtudes. Ó monarca? Onde se acastela o teu saber? Que títulos de bondade são os teus? Respondei ou mostrai! Queremos ver!
Não é por certo Boa moral Trair a esposa Com a Barral. Luisa Maria Portugal de Barros, Condessa de Barral e Marquesa de Monferrato, foi a grande paixão de Pedro II, era preceptora das princesas Isabel e Leopoldina. Apulcro de Castro foi morto no centro da cidade do Rio de Janeiro, na Rua do Lavradio, por um grupo de militares do Exército Imperial. O jornalista foi esfaqueado pelas costas pelo covarde e sanguinário capitão Antônio Moreira César.
O assassinato do jornalista teve repercussão nacional. Atribuíram a morte ao imperador que era tratado no pasquim pelo nome de “Pedro Banana”. Não vamos discutir essa questão por aqui, neste pequeno espaço de jornal, Apulcro de Castro morreu porque era preto. Depois de mais de cem anos a história se repete no Rio de Janeiro, Marielle Franco também tombou pela coragem de enfrentar os poderosos de plantão e foi morta por tiros de milicianos contratados. No final, ninguém foi punido pela morte do jornalista e o capitão foi homenageado com o nome de uma rua na cidade de Niterói. A monarquia arquejava e o imperador continuava assediando as belas e maravilhosas damas do reino.
Para amenizar a monótona vida de governante, escrevia cartas e pedia fotografias para sua coleção secreta de retratos. Dona Eponina, esposa do poeta Francisco Otaviano e 21 anos mais nova do que a Condessa de Barral, escreve para o imperador reclamando da falta de liberdade:
“Não tenho saído de casa por causa do calor, e creio que passarei toda a estação aqui, porque ‘alguém’ assim quer: Contraria-me muito, porém o que fazer?”
A esposa do poeta parou de escrever as cartas amorosas no ano da morte do jornalista Apulcro de Castro, a última está datada de março de 1883. Depois de muitos anos, foram encontradas apenas as cartas enviadas ao imperador, ela deve ter queimado todas as respostas do amante. O romance do imperador com Eponina não passou despercebido pelo marido e muito menos por seus familiares, nas cartas ela pedia ajuda para os parentes e sempre conseguia.
O amante atendeu ao pedido e nomeou o seu filho Eduardo para o consulado de Copenhague. Quando o poeta descobriu a infidelidade da esposa com o seu amigo imperador nunca mais lhe fez qualquer tipo de pedido. Amargou em silêncio a traição.
Dom Pedro não deve ter dormido naquela noite em que leu o soneto de Otaviano: Morrer… Dormir… não mais! Termina a vida E com ela terminam nossas dores; Um punhado de terra, algumas flores, E, às vezes, uma lágrima fingida! Sim! Minha morte não será sentida; Não deixo amigos, e nem tive amores! Ou, se os tive, mostraram-se traidores, Algozes vis de uma alma consumida. Tudo é podre no mundo. Que me importa Que ele amanhã se esbrôe e se desabe, Se a natureza para mim é morta! É tempo já que meu exílio acabe… Vem, pois, ó morte, ao Nada me transporta! Morrer… Dormir… Talvez sonhar… Quem sabe? Agora se retira o historiador para entrar o romancistano final da narrativa.
No entardecer da vida, já viúva desde junho de 1889 e sabendo da morte do amante no dia 5 de dezembro de 1891, em Paris, Eponina resolve abrir o baú secreto da Rua do Cosme Velho para reler e queimar as velhas cartas do imperador, não pretendia deixar vestígios de sua vida amorosa e muito menos escrever a famosa frase lapidar: Fui amante do rei.