Silvino Pirauá: o pioneiro do romance de cordel
23 de março de 2022Silvino Pirauá: o pioneiro do romance de cordel por Damião Lucena
Texto extraído da coluna Funes do Jornal a União publicado na data de 02/07/2021 .
O romance em versos foi criado por Silvino Pirauá, que nasceu em Patos no ano de 1848, um dos primeiros a utilizar a sextilha, como novo recurso de cordel, criador do martelo agalopado, que divide a autoria dos folhetos com Leandro Gomes de Barros, natural de Pombal. Segundo Chagas Batista, foi o ilustre sertanejo o autor de clássicos como História do Capitão do Navio, Crispim e Raimundo (escrito e publicado em 1909, por uma empresa de tipografia do Maranhão em que Silvino faz uma incursão no campo do Direito Penal), A Princesa Rosa, Zezinho e Mariquinha, A Vingança do Sultão, As três moças que quiseram casar com o mesmo moço e Descrições da Paraíba.
Também recriou o célebre desafio ocorrido em Patos entre Francisco Romano Caluête e Inácio da Catingueira. Outra criação de Silvino Pirauá na cantoria de viola é a “deixa”, obrigando o cantador a responder em verso, rimando com a última linha do companheiro.
Foi ele o responsável pela explosão da cantoria, referenciando a região de Teixeira em todo o país, nas duas últimas décadas do século 19. Começou a cantar aos 15 anos de idade, época em que, com a permissão do pai, passou a residir com Romano da Mãe D’água, aprendendo o ofício com seis meses e chegando a ser considerado, em determinadas ocasiões, como melhor que o seu mestre. Pirauá e Romano, que percorreram os estados do Pará, Amazonas, Maranhão, dentre outros pontos do Nordeste, cantaram juntos até 1891, ano em que o mestre morreu e passou a fazer dupla com o seu filho Josué. Aos 50 anos de idade, por conta da grande seca que assolava o Sertão da Paraíba, se transferiu para a cidade do Recife, onde a situação passou a ser pior. Entre os fatos mais lamentáveis, recordava a morte da esposa na capital pernambucana, tendo que cantar o dia inteiro no Mercado São José para conseguir comprar a mortalha e bancar as despesas do enterro. Depoimento de Pedro Marinho, publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Patos, nº 4: “Corria o ano de 1902, precisamente o dia 24 de dezembro, data em que se comemora a festa do Natal, quando a atração principal na cidade de Patos foi uma peleja realizada entre os poetas populares Silvino Pirauá de Lima e José Vicente Rodrigues que passaram toda a noite cantando na praça da retreta.
No dia seguinte, os cantadores foram se banhar numa cacimba que existia no Rio Espinharas, no local denominado de vazante, do comerciante Antônio Cabral, quando encontraram uma raposa pega por um laço – a mesma já vinha comendo a muito tempo melão e melancia do dito terreno.
Então, José Vicente Rodrigues, batendo com um cipó na bicha, deu o mote: Tivestes a sorte de São Judas”, no qual Silvino Pirauá ajuntou:
Diz o mundo e eu bem creio, / Que furto é tão infernal / Que sempre vem a surtir mal / A quem pega no alheio. / Como tú que a furtar veio / Sem pensar na corda muda / Que o laço da forca aguda / Que na vazante encontrastes / Fosse a ele e te enforcasses / Tivesse a sorte de São Judas Tú eras quem perseguia / O fruto da roça alheia / Tendo a barriga cheia / De melão e melancia / Pague agora o que devias / Sem encontrar quem te acuda / Para que mais não te iluda / Pague a quem estavas devendo / Pra o mundo ficar dizendo / Tivestes a sorte de São Judas.
Francisco das Chagas Batista, que conviveu com ele no ano de 1906 no Recife, em Cantadores e Poetas Populares, publicado em 1929, atribui a Silvino Pirauá, qualidades raras: exímio violeiro e grande repentista, igualando a antecessores ilustres da Serra do Teixeira, a exemplo de Agostinho Nunes da Costa e seus filhos Nicandro e Angolino. Era um grande improvisador e glosador.
Na poesia intitulada E tudo vem a ser nada, deixou uma primazia de realidade, que já pode ser deduzida nos dois primeiros versos:
Tanta riqueza inserida / Por tanta gente orgulhosa / Se julgando poderosa / No curto espaço da vida / Oh! Que ideia perdida / Oh! Que mente tão errada / Dessa gente que enlevada / Nessa fingida grandeza / Junta montões de riqueza / E tudo vem a ser nada Vemos um rico pomposo / Afetando gravidade / Ali só reina bondade / Nesse mortal orgulhoso / Quer se fazer caprichoso / Vive até de venta inchada / Sua cara empatufada / Só apresenta denodos / Tem esses inchaços todos /
E tudo vem a ser nada Chamado de “O enciclopédico” pelos seus contemporâneos, Silvino Pirauá de Lima morreu em Bezerros-PE, em 1913, vítima de infecção causada por bexiga, aos 65 anos de idade.