Sorria
7 de março de 2025Sorria Por Bruno Almeida.
Texto extraído da coluna FUNES do Jornal A União publicado na data de 07/03/2025.
Outro dia, fui ao Patos Shopping tomar um café antes da aula e, ao observar as pessoas ao meu redor, algo me intrigou. Todos falavam, mas poucos se ouviam. As palavras cruzavam as mesas como torpedos, cada um tentando impor sua versão do mundo, suas razões, suas verdades…
Percebi que, por mais que falassem a mesma língua, havia ali um abismo, uma distância invisível que os separava.
Foi então que, num cantinho, um grupo de amigos rompeu a monotonia corriqueira de uma praça de alimentação com uma gargalhada. Não aquele riso contido, polido, dos que se enquadram na etiqueta social, mas um riso franco — daqueles que escapam da garganta sem pedir permissão, que fazem os olhos lacrimejarem e o corpo se dobrar para trás, vencido pela alegria momentânea. Algo ali era verdadeiro.
Era mesmo.
Pensei na frase de Mia Couto que li na camiseta de uma moça na loja de produtos geeks: “Rir junto é melhor que falar a mesma língua”. Então… Talvez o riso seja mesmo uma língua anterior, um idioma que esquecemos à medida que crescemos e começamos a nos levar a sério demais.
Lacan dizia que a linguagem nos molda, que não somos senhores das palavras, mas seus prisioneiros. Nascemos dentro de um mundo já nomeado, onde tudo nos chega carregado de significados que não escolhemos. E assim começamos a vida, encaixando-nos nesse labirinto de símbolos, tentando explicar o que sentimos, buscando ser compreendidos — e falhando. Mas o riso… Ah, o riso… O riso foge desse cárcere. Ele irrompe sem filtro, sem necessidade de gramática, sem pedir aprovação.
Viktor Frankl, um autor que venho lendo ultimamente, descobriu no extremo sofrimento dos campos de concentração que até o poço mais profundo pode ser suportável quando encontramos sentido. E, às vezes, esse sentido se revela no que há de mais simples: o olhar de um amigo, a mão que se estende, o riso que explode no meio do caos.
Mas quantas vezes nos permitimos isso? Vivemos tão preocupados em provar algo, em vencer, em discutir, em levantar muros de argumentos, que esquecemos de rir. E, sem perceber, vamos nos afastando. O mundo deixa de ser nosso porque deixamos de habitá-lo em conexão uns com os outros.
Nietzsche nos alertou sobre o perigo de uma vida pesada demais, sobre o peso insuportável das verdades absolutas. Ele nos convidou a rir do mundo e de nós mesmos, a dançar sobre o abismo da incerteza e a abraçar a impermanência. Mas a maioria de nós desaprendeu esse passo. Tornamo-nos sérios demais, rígidos, temerosos do ridículo, escravos da lógica e do discurso.
E esse é o problema: falamos demais e rimos de menos. E, quando rimos, muitas vezes é um riso solitário, virtual — um emoji numa tela, um reflexo pálido do que já foi genuíno algum dia.
Levanto-me da mesa e, antes de ir embora, olho novamente para aquele grupo de amigos. Eles não estão debatendo grandes questões filosóficas, não estão tentando provar nada para ninguém. Estão apenas ali, juntos, compartilhando o que há de mais essencial: um instante de leveza num mundo que nos pesa demais.