Pombal: a praça das possibilidades

14 de fevereiro de 2025 Off Por Funes Patos

Pombal: a praça das possibilidades Por Bruno Almeida.

Texto extraído da coluna FUNES do Jornal A União publicado na data de 14/02/2025.

 

Era quase noite quando decidi sair para caminhar. O dia havia sido longo, uma sucessão de compromissos que eu cumpria mais por obrigação do que por vontade. Sentia um peso nos ombros, como se algo essencial me escapasse. Antes de sair, preparei um café rápido e fiquei observando o vapor se dissolver no ar. Me veio a frase de Kierkegaard, que eu havia lido em dias anteriores : “Desejaria apenas um olho que, eternamente jovem, ardesse de desejo de ver a possibilidade”. Suspirei… Pensei… Talvez fosse isso o que eu tinha perdido: esse olhar que encontra o novo até no que parece comum.

A praça estava cheia quando cheguei. O relógio marcava pouco depois das seis, e o sol, ainda tímido no horizonte, misturava-se às luzes dos postes, que começavam a se acender. Gente de todo tipo caminhava pela praça. Um grupo de adolescentes ria alto, enquanto crianças corriam ao redor da Aeup. Algumas pessoas passavam apressadas, talvez tentando queimar as últimas energias do dia em suas corridas. Outras, como eu, andavam devagar, absorvendo a movimentação como quem busca algo — mesmo sem saber exatamente o quê.

Sentei-me em um banco próximo à coluna da hora e deixei o olhar vagar. O vento balançava as folhas das árvores, produzindo um som quase musical.

Fiquei ali, olhando para as cenas ao meu redor, até ser interrompido por um menino que passava correndo. Ele puxava um carrinho de brinquedo que fazia um som estridente no chão. Era tão simples e tão intenso. Ele ria como se estivesse descobrindo algo novo a cada segundo, mesmo enquanto dava voltas pelo mesmo caminho.

Pensei no que tenho aprendido nas leituras de Lacan. Para ele, o desejo nunca é apenas sobre aquilo que queremos; é sobre a falta que nos move, o vazio que nos mantém buscando. Será que o menino sabia disso? Talvez não, mas ele vivia o desejo na sua forma mais pura: o desejo de brincar, de correr, de descobrir. Para ele, a praça não era apenas um espaço — era um campo aberto de possibilidades. E eu, com meu olhar cansado de adulto, sentia como se esse campo me fosse negado. Quando foi que deixei de correr atrás do possível, como fazia aquele garoto?

Levantei-me e comecei a caminhar. Ao passar por uma mulher que andava com seu cachorro, escutei fragmentos de uma conversa no telefone. “Não sei, amanhã talvez seja diferente. Vou tentar”. A frase ficou comigo. Talvez seja diferente. Será que ela também carregava esse desejo de mudança, esse desejo por algo além da repetição?

Nietzsche dizia que o segredo é transformar até o mais banal em algo que vale a pena viver. É desejar o instante como se o tivéssemos escolhido, como se cada momento carregasse em si a possibilidade de ser único.

Ao completar mais uma volta pela praça, vi as crianças em volta da coluna da hora. Ao lado delas, um casal idoso passeava de mãos dadas, e me perguntei se eles também viam o mundo como essas crianças. Acho que o segredo talvez não fosse perder o olhar do possível, mas cultivá-lo, como se fosse um fogo que precisa ser alimentado todos os dias… Quem sabe!?…

Enquanto voltava para casa, olhei novamente para as luzes dos postes iluminando a praça. Tudo ainda estava ali: as crianças, os adultos, o vento. Nada havia mudado, exceto meu olhar. Percebi que, mesmo no cansaço e na repetição, sempre há algo novo esperando para ser descoberto.